Ao longo do tempo fui tendo em
diversas ocasiões a mesma sensação de desconforto, e ainda bastante
recentemente isso aconteceu quando ouvi de vários comentadores políticos de
diversos quadrantes elogios à actuação de Mariana Mortágua na Comissão de Inquérito
ao caso BES. Como se qualquer posição expressa por um qualquer político pudesse
ser descontextualizada do resto das suas posições e avaliada isoladamente.
Volto a sentir o mesmo desconforto
no momento actual com a aparente facilidade com que se admite constituir uma
maioria de esquerda para governar, somando os votos dos respectivos partidos.
Não me estou a referir aos
dirigentes partidários dos partidos em questão, porque esses não me surpreendem
quando tentam chegar ao poder de qualquer maneira.
Refiro-me a alguns comentadores e a
gente comum. Somar os votos de partidos diferentes após as eleições pode ser
legítimo ou não.
No caso de partidos relativamente
próximos em termos de matriz ideológica, cultural, ética e de tradição não vejo
nenhum problema com isso. Já quando se trata de partidos com uma matriz
substancialmente diferente e que ao longo da sua história estiveram
frequentemente em barricadas opostas, como é o caso dos três partidos da
esquerda portuguesa actual, a minha opinião é outra.
A incomensurabilidade é um conceito
importante em ciência e filosofia. Diz-nos que não se podem comparar ou somar
de alguma forma coisas que são qualitativamente diferentes. Mas em política, a
julgar pelos nossos políticos e comentadores, tudo é comparável e todas as
diferenças são encaixáveis numa qualquer bitola comum. (in Isabel Soares no Observador)