É certo que o regime autoritário, nascido do
pacto dos militares da Ditadura Nacional com Salazar, viera substituir uma
democracia que tinha muito pouco de democrática; uma democracia instalada por
um regicídio, em que votavam 7% dos cidadãos, só homens, e em que as eleições
eram inevitavelmente ganhas por um partido – o Partido Democrático –, primeiro
de Afonso Costa e depois de António Maria da Silva.
De qualquer modo, a partir dos anos 50, o regime
estava em séria perda de apoio e popularidade, como mostrou o sucesso de rua da
candidatura de Humberto Delgado – um populista vindo da ala mais radical e
fascistizante do Estado Novo. Por essa época, as mudanças na Igreja Católica e
o aparecer de novas gerações sem memória da “balbúrdia sanguinolenta” da
Primeira República tornavam mais claras as grandes carências e desigualdades
sociais do país, que os sucessivos governos progressistas também não tinham melhorado.
Salazar não procurava a popularidade. Nos anos
trinta fizera algumas cedências de estilo em manifestações multitudinárias ao
modo dos fascismos europeus, seus aliados na guerra de Espanha; mas, de resto,
escolhia aquele estilo do “sábio”, do “eremita”, do “Professor”, longe das
multidões. Apesar de haver uma acção importante na criação de infraestruturas,
na luta contra o analfabetismo, nas bases da Educação popular e de estar em
curso uma segunda revolução industrial, a sensação de muitos era a de viver num
país pobre sob uma velha autocracia adormecida na ponta ocidental da Europa,
apoiada pelos padres e pelos polícias.
Paradoxalmente, a guerra de África em 1961, a
guerra que levaria, treze anos depois, à crise no corpo de oficiais e ao golpe
militar de 25 de Abril, proporcionaria um tempo de renovação do Regime. Vencida
a conspiração dos generais em Abril de 1961, a guerra reunia à volta do Governo
uma vaga patriótica que ia dos republicanos coloniais à nova geração da direita
nacional, a geração que, nos anos 60, ia enfrentar a Esquerda nas universidades
e servir em África.
Após o desaparecimento de Salazar e a vinda de Marcelo Caetano, em 1968-74, a Esquerda continuou com sucesso a concentrar-se no poder cultural; e quando foi preciso encontrar uma ideologia legitimadora, escolheu identificar-se em bloco com “a Democracia”, independentemente das opções totalitárias, identificando a Direita com “a Ditadura”, quando não com os totalitarismos fascista e nacional-socialista. Há cinquenta anos que o faz.
Em 1974-75, as
inventonas do 28 de Setembro e do 11 de Março neutralizaram a direita
“ultramarinista”. Depois houve a manipulação pelos comunistas e esquerdistas de
um MFA onde não abundavam as “mentes brilhantes” e o tímido aparecimento de uma
direita da Esquerda que serviu de direita do Regime.
A poucos anos da queda final do comunismo na
Rússia e na Europa Oriental, estivemos em risco de ter uma experiência
comunista e esquerdista em Portugal; risco que deixou marcas, mas a que
escapámos graças ao povo do Norte e aos pactos de Ialta. E, dirão alguns,
também ao Dr. Soares; mas o Dr. Soares, como outros democratas, só acordou para
o perigo totalitário quando viu que era a vítima seguinte. Antes disso, os
“fascistas” estavam muito bem nas democráticas prisões de Abril, que
conseguiram a proeza de, em Outubro de 1974, depois do 28 de Setembro, terem
mais presos do que antes do golpe militar. Sem contar o pessoal da PIDE-DGS.
Hoje as coisas mudaram, na Europa e aqui. Só não
mudou a patética reivindicação da Esquerda do monopólio da “Democracia”. E, no
entanto, por diferentes razões – imigração agressiva e descontrolada,
identidades nacionais ameaçadas, oligarquias partidárias instaladas, protesto –
muitos eleitores europeus (supomos que todos eles xenófobos, homofóbicos e
portadores das mais deploráveis e abjectas patologias) estão a votar
democraticamente nos tais partidos da direita nacional populista, a que chamam
de “extrema-direita”, “pós-fascistas” e de “direita radical”.
Vamos a ver como vai ser
por cá e pelo mundo no ano que agora começa.