O ciclo mudou e com ele o tom e o
registo: O rosa virou grisalho, os sorrisos amareleceram...
A habilidade e a pratica do
flip-flop politico de Rebelo de Sousa sempre me surpreenderam! Voltará a surpreender-me?
1. “Dizes sempre mal dele, que coisa”!
Dizer mal “do Marcelo” é hoje algo de
quase brutalmente dissonante, entre o inadmissível e o absurdo. Não é suposto.
Não se faz. Na rendição apatetada do país ao Chefe do Estado, “demissões” não
são pura e simplesmente concebíveis.[...]
A verdade é que o observei, vi-o
agir, trabalhei com ele e para ele, conheço-lhe a excepcionalidade da
inteligência, tirei-lhe muitas fotografias com palavras, confessei-o, alcancei
a dimensão exacta da sua ambição, retive, para a vida, a certeza da sua solidão.
Sei quem ele é. [...]
e o que nele aprecio – e
indubitavelmente aprecio – não coincide com a forma como encarna e pratica a
função presidencial.
2. Ao abraçar continuamente o
país inteiro Marcelo está a fazer de Portugal um orfanato. Ao distribuir
afectos a eito, transforma-o num sítio de gente oficialmente infeliz que
necessita permanentemente de mimo e consolo. Ao fazer-se fotografar e
abraçar (cláusulas sempre incluídas nas deslocações) com quem lhe aparece à
frente, infantiliza o gesto e relativiza o símbolo do abraço. Nem o país está
moribundo, nem saiu duma guerra, nem necessita de ser constantemente redimido
ou consolado. [...]
É certo que tudo isto lhe trazia um
palco exclusivo – prioridade número um – e assegurava tropas (para o que der e
vier). Um português feliz e selfizado é um soldado disponível. E não estão aí
sondagens iguais às da Coreia do Norte a comprovar o acerto presidencial? [...]
3. Marcelo praticou demasiada
cumplicidade governamental, elogiou demais, comentou demais, enredou-se demais
em questões que não eram “suas” e alertou de menos para algumas opções –
leis, reversões, cativações, decisões – que ele sabe que objectivamente não podem
deixar de vir a prejudicar o futuro nacional. Fê-lo, disse ele, em nome da
“estabilidade”: o seu custo compensará o prejuízo de algumas opções tomadas e
que poderiam não ter sido exactamente as mesmas?
Depois veio o Verão, morreram cento e
tal pessoas. O confronto que daí resultou com o colossal falhanço do Estado e a
leveza dos governantes, avisou-o. O ciclo mudou e com ele o tom e o registo. O
rosa virou grisalho, os sorrisos amareleceram. »
4. Sim houve uma nítida marcha
atrás na demarche do Presidente e no desenho do seu mandato: melhor que ninguém
sabe que o segundo acto será diferente, mesmo que mais difícil e não totalmente
previsível.
Há outro mapa politico com a chegada
de Rio ao leme de um PSD dividido e cansado; há o calendário eleitoral que vai
começar a apertar, alterando forçosamente o ritmo e o rumo das coisas da
político; há o aumento de nível de exigências da extrema esquerda, acelerada
pelo receio -real – de um bloco central.
Em caso de casamento ao centro, ao
menos não se poderiam queixar da pródiga herança socialista recebida.
E há sobretudo um governo que mesmo
que não pareça – distraído como anda com o auto elogio permanente das suas
performances – nos surge meio bloqueado: escassseia o investimento público,
nada se faz para favorecer ou sequer incentivar o investimento privado;
escasseia o trabalho nalgumas áreas governamentais; escasseia – piora – a real
procura de uma economia sustentada: chega a ser absurdo o contentamento com o
turismo como fonte de riqueza quando não passa de produtor de empregos com
baixa qualificação.
E há impostos a aumentar todos os
dias, uma carga fiscal que começa a ser tão desencorajadora quanto aterradora.
Como pensa o Presidente da República
– agora menos azougado, mais tranquilo com o seu palco e as suas tropas e por
isso mais entretido com o “macronismo” à portuguesa – actuar face a tudo isto
no levantar do pano sobre o acto dois da sua peça presidencial?