O problema com Diogo Lacerda Machado
não é apenas formal: é o de uma grave incompatibilidade. E o problema com
aquilo que Costa diz e faz é pior: revela alguém que se vê como novo
dono-disto-tudo.
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Por vezes agem como se nos tomassem
a todos por burros, ignorantes, porventura analfabetos. E que por isso podem
dizer não importa o quê, fazer não importa o quê e tratar o país como quem
trata da sua quinta privativa, sem necessidade de dar explicações ou cumprir
regras.
Um episódio destes dias – a
discussão em torno do papel desempenhado por Diogo Lacerda Machado como
“negociador especial” de António Costa – é bem revelador de como há hábitos que
não se perdem, e um desses hábitos é o de pensar que o primeiro-ministro é uma
espécie de dono-disto-tudo que põe e dispõe. É verdadeiramente extraordinária a
resposta que o chefe do Governo deu na sua entrevista do DN e TSF quando lhe perguntaram como
explicava a presença desse advogado nas negociações da TAP, dos lesados do BES
e até nas do BPI. A primeira resposta foi a mais espontânea, porventura mais
sentida e verdadeira:
“Vamos lá a ver, o Diogo Lacerda
Machado é o meu melhor amigo há muitos anos, temos uma relação muito próxima”.
Como? O primeiro-ministro acha que
uma relação de amizade é justificação para confiar a alguém a representação,
mesmo que informal, do Estado? Ser o melhor amigo não devia até funcionar como
um dissuasor, tal como funcionaria ser irmão ou primo e, por isso, ter também
“uma relação muito próxima”?
Aparentemente António Costa entende
que até pode estabelecer este tipo de relações informais sem que elas se
submetam às regras da administração pública. “Olhe, acabámos por celebrar um
contrato, porque as pessoas achavam que o facto de não haver nenhuma despesa do
Estado…”, disse quando os entrevistadores lhe chamaram a atenção para a
estranheza da situação. Ou seja, há alguém que em nome do primeiro-ministro
negoceia com os donos da TAP e lhes dá contrapartidas (que desconhecemos)
fazendo-o apenas na condição de “maior
amigo”. Esse mesmo alguém também vai negociar com os lesados do BES,
podendo forçar uma solução que nos venha a custar muitos milhões de euros
(alguém pagará a factura, porque haverá sempre uma factura a pagar, e não creio
que seja o dr. Salgado), e o PM acha que não é necessário um contrato por assim
não se gasta dinheiro.
Mas há mais e mais grave.
Como se tudo isso não fosse bizarro,
António Costa ainda trata com ar de enfado os que o questionam, como se esse
não fosse o dever os jornalistas e a obrigação da oposição no Parlamento.
Afinal, porque é que o enviado de Costa às negociações da TAP é alguém que, no
passado, esteve envolvido com uma empresa, a Reditus de Miguel Paes do Amaral,
interessada na privatização da companhia? E não é estranho que, no meio deste
processo, tenham surgido uns accionistas chineses quando esse mesmo advogado é
administrador de uma empresa, a Geocapital, que pertence, entre outros, a Stanley Ho e
tem sede em Macau? Pior ainda: que pensar do facto de a mesma Geocapital e
Stanley Ho aparecerem no
mais nebuloso – e imensamente ruinoso – dos negócios da TAP, o da compra da operação de manutenção da Varig?
Se tudo isto não configura uma
situação de grave incompatibilidade, então é porque andamos todos a fazer de
anjinhos.
Na verdade, o que é que sabemos,
todo este tempo passado, dos termos da “negociação” da TAP? Nada. Ou melhor,
alguma coisa: sabemos que o sócio português, Humberto Pedrosa, ficou mais dois
anos com a concessão do Metro do Porto por ajuste directo. Estranho, não é?
(por José Manuel Fernandes no Observador )