Isaiah Berlin, inspirado por um
velho adágio grego, dividiu um dia os intelectuais em ouriços e raposas: a
raposa sabe muitas pequenas coisas, mas o ouriço sabe uma grande coisa. Passos
sabe uma grande coisa, Costa sabe muitas pequenas coisas. Uma das questões
para os portugueses é saber se, neste momento, lhes convém mais um ouriço ou
uma raposa..
Na manhã seguinte, porém, a vitória
já não parecia tão clara. Como as flores de certas plantas raras, não durou uma
noite.
Ganhar um debate, para quem precisa
de ganhar de qualquer maneira, não é complicado: basta fazer o indispensável
para que a claque se sinta à vontade ao clamar vitória. Há um truque:
estar sempre ao ataque, disparar sobre tudo, não parar de chutar à baliza. Nem
é preciso acertar: basta mostrar agitação. Foi o que Costa fez, aproveitando,
aliás, a previsível opção de Passos pela impassibilidade do estadista.
Entretanto, o país, pela voz dos
seus comentadores, declarava-se pouco “esclarecido”. O facto é que a situação
do país é tal que uma hora de debate nunca seria suficiente para o “esclarecer”.
Em 2011, pouca gente acreditara na
viabilidade do ajustamento. O sucesso, até por inesperado, impressionou: fez o
PSD e também o CDS aceitarem a “missão” de Passos. Hoje, os anti-passistas da
direita estão isolados, ou em trânsito para o PS. Passos pode permitir-se ficar
no mesmo sítio, sem variar os temas nem levantar a voz.
António Costa vive outra vida… A sua
expectativa, o ano passado, era ser acolhido consensualmente. Não o foi. Viu-se
forçado a andar pelos mais variados caminhos e atalhos. Aproximou-se e
afastou-se do Syriza. Arranjou Nóvoa, mas também Centeno. Grita contra a
“austeridade”, mas quer parecer responsável. Precisa de se distanciar de
Sócrates, mas não o pode renegar.
O debate desta semana confrontou
assim duas maneiras de ser. De um lado, Passos Coelho, mais ou menos rígido e
solene, avesso a aventuras, preocupado em lembrar o que lhe parece essencial,
com muitas explicações, embora por vezes sem eloquência nem rasgo, como durante
a segunda parte do debate. Do outro lado, António Costa, cheio de artes e de
artimanhas, desesperado, e portanto disposto a tudo, mas frequentemente sem
critério, como durante a primeira parte do debate, em que não evitou o ridículo
(“foi o PSD quem
chamou a troika!”).
(baseado no texto de Rui
Ramos no Observador )
http://observador.pt/opiniao/passos-e-costa-o-ourico-e-a-raposa/