As causas estão para os enfastiados europeus como os brinquedos para as crianças mimadas. Depressa mandarão os refugiados sírios para o baú onde estão o leão Cecil mais as primaveras árabes.
Temo sinceramente que à primeira desilusão com os ditos refugiados logo eles sejam esquecidos como todos os outros objectos da nossa solidariedade nos últimos anos.
A experiência portuguesa ensina várias coisas. Escolhi três. A primeira delas é que o pior que pode acontecer a um povo é que o seu país desista dele ou que ele desista do seu país. A segunda é que o sucesso da integração é tanto maior quanto menos paternalista for o acolhimento. O terceiro ensinamento ganhei-o não a investigar o fenómeno dos retornados, mas sim a ver, ouvir e ler noticiários: vivemos de arrebatamento em arrebatamento e cada arrebatamento tem de ser mais arrebatado para compensar a anterior desilusão. Iniciámos o ano com o Syriza e a crise humanitária grega, depois veio o Varoufakis a dobrar a espinha à Merkel e a Catarina Martins aos pulinhos em Atenas (que as sibilas nos perdoem!). Abriam-se contas para financiar a Grécia (em troca podiam mandar-nos queijo e azeitonas ou uma fotografia assinada pelo Tsipras). E até houve quem marcasse férias na Grécia para ajudar a causa alternativa. Agora os gregos estão ainda mais pobres, vai haver novamente eleições, ninguém quer saber da Grécia para nada e a Catarina Martins já não pula, pelo menos em Atenas. Agora só se pensa, fala e sente o drama dos refugiados.
Dentro de pouco tempo os refugiados sírios serão substituídos por outros protagonistas e depois bem podem permanecer acantonados num qualquer canto da Hungria que ninguém se interessará pelo seu destino.
Claro que no terreno ficarão as associações, os conselhos disto e daquilo, mais os mediadores que constituem o mundo do chamado apoio.
A presente crise dos refugiados para lá de evidenciar a degradação da vida nos seus países de origem coloca-nos face a um dos mitos do nosso tempo: a de que no Ocidente podíamos substituir as intervenções militares por intervenções humanitárias. Não podemos. Entre outras razões porque nos desumanizamos. Aliás não tardará que, se o fluxo de refugiados se mantiver nos actuais níveis, passemos todos a imitar a Hungria.
A ilusão de que podíamos viver rodeados de turbulentos vizinhos a quem nos momentos difíceis oferecemos medicamentos e provisões é falsa e perigosa. Ou temos força suficiente para participar no esforço de estabilização desses países – e isso não se faz com drones mas sim com exércitos –, ou acabamos a pôr tropas a perseguir os refugiados. É apenas uma questão de tempo.
( por Helena Matos no Observador)