Nunca a Assembleia da República teve tantos partidos, e nunca tantos partidos pareceram ser afinal tão pouca coisa. Se não acreditam, reparem no que eles dizem uns dos outros. O PSD acusa o Chega de ser socialista, porque viabiliza as descidas de IRS do PS. O Chega acusa o PSD de ser socialista, porque vai fazer as obras de José Sócrates. O PS, como seria de esperar, não acusa o PSD e o Chega de serem socialistas, mas diz que são iguais, duas metades da mesma extrema-direita, por causa da lei da imigração.
Confuso? Bem-vindo ao admirável mundo novo criado pelas linhas vermelhas.
A 10 de Março, Luís Montenegro ficou perante a maior maioria de direita de sempre. Mas a esquerda exigira-lhe que excluísse o Chega, e ele submeteu-se a essa exigência. Acabou também por excluir a IL, e começou assim a governar, transformando a maior maioria parlamentar de sempre numa das mais pequenas minorias governamentais de sempre.
A partir daí, tinha de acontecer o que está a acontecer. Ninguém espera que o governo, com um pedestal tão incerto, dure muito. Todos pensam em eleições, e é para isso que trabalham. O Chega na oposição vota ao lado do PS, porque precisa de desarmar o governo e de pôr a sua marca em tudo o que seja benefício que seduza eleitores, por mais que possa abalar o orçamento. O PSD não vota ao lado do PS, mas faz mais: imita, no governo, o PS. Também era previsível: foi o PS, nas últimas décadas, quem ensinou como ganhar eleições e mandar em Portugal. Aspirando ao mesmo, o PSD segue naturalmente o sistema socialista. Tal como o PS, também o PSD tenta segmentar e clientelizar o eleitorado, como fez com os seus privilégios fiscais para jovens. Tal como o PS, também o PSD simula um dinamismo económico que não existe, através do fogo de artifício de terceiras pontes, novos aeroportos, e demais brinquedos que José Sócrates costumava tirar da manga. Tal como o PS, também o PSD se propõe fomentar a dependência da comunicação social em relação ao Estado, com a esperança talvez ingénua de virar a seu favor o culto que os comentadores televisivos devotaram durante anos ao poder socialista.
Não, não acho que o Chega, o PSD ou a IL sejam afinal socialistas. Mas o que um partido é não depende apenas da sua ideologia, mas das circunstâncias que criou ou lhe impuseram. Separados pelo muro que a esquerda lhes soube infligir, os partidos da direita estão condenados, na oposição e no governo, a seguir a cartilha socialista. Depois da geringonça de 2015, as linhas vermelhas foram a segunda grande invenção da esquerda para bloquear reformas em Portugal. Ao dividirem a maioria de direita, impedem que se experimente outro tipo de governação, para o qual seria necessário um apoio parlamentar assim inviável. As linhas vermelhas são o nosso Groundhog Day político: já não é o PS que está no governo, mas Portugal continua a ser governado segundo a política socialista de domínio do Estado e da sociedade.
Sabemos
onde o governo socialista deixou o país. Recorrendo aos mesmos métodos, o
actual governo não tirará o país de onde os socialistas o deixaram. Este é um
PSD que, por causa das linhas vermelhas, está destinado a ter mais a ver com
António Costa e José Sócrates, do que com Cavaco Silva ou Pedro Passos Coelho.
Mas que importa isso? As sondagens já trespassaram a Luís Montenegro a
popularidade que antigamente parecia pertencer sempre a António Costa,
acontecesse o que acontecesse. Está tudo a correr bem. O PSD já tem o seu
António Costa. Em breve, terá a sua Marta Temido, o seu Eduardo Cabrita, e o
seu João Galamba. É pena, porque talvez pudessem ter sido outra coisa.