11 de Julho de 2009
Vasco Pulido Valente
Como se explica a existência em Portugal (ou seja, na Europa do Ocidente) de dois partidos da extrema-esquerda, ainda largamente inspirados na doutrina ortodoxa do marxismo-leninismo de meados do século passado?
Como se explica a existência de um PC pouco diferente do que era quando Cunhal o "reconstruiu" e de um Bloco, derivado de pequenos grupos radicais, que apesar de uma cosmética às vezes brilhante, continua a essência e o ethos dos revolucionários de 60 e 70?
O mundo mudou e eles não mudaram, mas não deixam por isso de ocupar agora (irremediavelmente) uma parte essencial da cena política. Nem historiadores, nem "politólogos" se interessaram muito por esta anomalia, embora ela revele o carácter profundo do que hoje sucede no país. Claro que, à superfície, não é difícil compreender a coisa. Em primeiro lugar, a miséria atávica de Portugal e o genérico atraso da economia. Em segundo lugar, e como consequência, uma sociedade que não se conseguiu "modernizar". Em terceiro lugar, a inflexão do PS para a direita, principalmente quando está no governo. Em quarto lugar, no caso do PC, a disciplina estalinista que garante a solidez de um núcleo central e, se quiserem, a confiança de um eleitorado fiel. E em quinto lugar, no caso do Bloco, a particular eficácia de uma dúzia de dirigentes na televisão, no Parlamento e nos jornais. Só que tudo isto, que serve para sublinhar o óbvio, não esclarece a substância do anacronismo, que uma extrema-esquerda com 20 por cento do voto manifestamente é.
O isolamento de Portugal esclarece melhor essa estranha ressurreição. Ao contrário da Europa, a classe média indígena (a que pertence o que resta da velha classe operária) foi poupada à longa desilusão com o "socialismo real" e com as múltiplas variedades de marxismo-leninismo que o pretenderam corrigir e substituir.
A Ditadura não permitiu que se visse a subserviência do PC à estratégia global da URSS, ou que, por exemplo, se vivesse Budapeste e Praga como se viveram em França ou em Itália. A brevidade do PREC salvou muita fantasia. A falência filosófica e doutrinal da "grande narrativa" da esquerda quase não se sentiu em Lisboa.
O PC português (para não falar do Bloco, mais tardio e periférico) não sofreu o descrédito do PC italiano ou espanhol, nem fugiu, escorraçado e melancólico, para o refúgio patético do eurocomunismo. É nesse vácuo histórico, na ausência dessa decisiva memória, que assentam e alastram os 20 por cento de Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa.