É triste
confessar, mas ainda estamos para ver até onde vão os revisores da
História. Uma coisa é certa: com a ajuda dos movimentos anti-racistas, a
colaboração de esquerdistas, a covardia de tanta gente de bem e o metabolismo
habitual dos reaccionários, o movimento de correcção da História veio para
ficar. [.]
Serão
criadas comissões de correcção, com a missão de rever os manuais de História (…),
a fim de expurgar a visão bondosa do colonialismo, as interpretações
glorificadoras dos descobrimentos e os símbolos de domínio branco, cristão,
europeu e capitalista. [.]
Comissões
purificadoras procederão ao inventário das ruas e locais que devem mudar de
nome, porque glorificam o papel dos colonialistas e dos traficantes de escravos.
[.]
Teremos
autoridades que tudo farão para retirar os objectos antes que as hordas cheguem
e será o máximo de coragem de que serão capazes. Alguns concordarão com o seu
depósito em pavilhões de sucata. [.]
Preparemo-nos
pois para remover monumentos com Albuquerque, Gama, Dias, Cão, Cabral,
Magalhães e outros, além de, evidentemente, o Infante D. Henrique, o primeiro a
passar no cadafalso. Luís de Camões e Fernando Pessoa terão o devido óbito. [.]
Não
serão esquecidos os cineastas, compositores, pintores, escultores, escritores e
arquitectos que, nas suas obras, elogiaram os colonialistas, cúmplices da
escravatura, do genocídio e do racismo. Filmes e livros serão retirados do
mercado. Pinturas murais, azulejos, esculturas, baixos-relevos, frescos e
painéis de todas as espécies serão destruídos ou cobertos de cal e ácido. [.]
Os
principais monumentos erectos em homenagem à expansão, a começar pelos
Jerónimos e pela a Torre de Belém, serão restaurados com o cuidado de lhes
retirar os elementos de identidade colonialista. Os memoriais de homenagem aos
mortos em guerras do Ultramar serão reconstruídos a fim de serem transformados
em edifícios de denúncia do racismo. Não há liberdade nem igualdade enquanto
estes símbolos sobreviverem. [.]
(por
António Barreto in “Ainda
não vimos nada”! )