domingo, 14 de junho de 2020

Ainda não vimos nada!


É triste confessar, mas ainda estamos para ver até onde vão os revisores da História. Uma coisa é certa: com a ajuda dos movimentos anti-racistas, a colaboração de esquerdistas, a covardia de tanta gente de bem e o metabolismo habitual dos reaccionários, o movimento de correcção da História veio para ficar. [.]
Serão criadas comissões de correcção, com a missão de rever os manuais de História (…), a fim de expurgar a visão bondosa do colonialismo, as interpretações glorificadoras dos descobrimentos e os símbolos de domínio branco, cristão, europeu e capitalista. [.]
Comissões purificadoras procederão ao inventário das ruas e locais que devem mudar de nome, porque glorificam o papel dos colonialistas e dos traficantes de escravos. [.]
Teremos autoridades que tudo farão para retirar os objectos antes que as hordas cheguem e será o máximo de coragem de que serão capazes. Alguns concordarão com o seu depósito em pavilhões de sucata. [.]
Preparemo-nos pois para remover monumentos com Albuquerque, Gama, Dias, Cão, Cabral, Magalhães e outros, além de, evidentemente, o Infante D. Henrique, o primeiro a passar no cadafalso. Luís de Camões e Fernando Pessoa terão o devido óbito. [.]
Não serão esquecidos os cineastas, compositores, pintores, escultores, escritores e arquitectos que, nas suas obras, elogiaram os colonialistas, cúmplices da escravatura, do genocídio e do racismo. Filmes e livros serão retirados do mercado. Pinturas murais, azulejos, esculturas, baixos-relevos, frescos e painéis de todas as espécies serão destruídos ou cobertos de cal e ácido. [.]
Os principais monumentos erectos em homenagem à expansão, a começar pelos Jerónimos e pela a Torre de Belém, serão restaurados com o cuidado de lhes retirar os elementos de identidade colonialista. Os memoriais de homenagem aos mortos em guerras do Ultramar serão reconstruídos a fim de serem transformados em edifícios de denúncia do racismo. Não há liberdade nem igualdade enquanto estes símbolos sobreviverem. [.]
(por António Barreto in “Ainda não vimos nada”! )