Nunca corremos a tiro as
populações indígenas, como fizeram os colonos europeus quando ocuparam as
terras do Tio Sam. Nunca tivemos apartheid, ao contrário do que aconteceu na
África do Sul ou na Rodésia. Cruzámo-nos em África e na Ásia com as populações
autóctones, tivemos filhos e muitas vezes assumimo-los.
A ministra da Justiça,
Francisca Van Dunem, veio dizer na semana passada, num discurso geralmente bem
estruturado, que há racismo em Portugal.
«Durante décadas, apregoar a
inexistência de fenómenos racistas na sociedade portuguesa tornou-se um quase
lugar-comum. A repetição incessante da ideia não teve, contudo, a virtualidade
de a converter em verdadeira. A maior expressão de preconceito racial consiste,
precisamente, na negação deste preconceito» - disse a ministra.
Terá razão?
Confesso que, até há bem
pouco tempo, não dava pela existência de racismo em Portugal.
Vivi a juventude no tempo do
Estado Novo, e nunca senti que esse fosse um problema.
Sempre joguei à bola com
negros, aplaudi os feitos de jogadores africanos.
O próprio facto de um dos
grandes ídolos nacionais ser Eusébio era um travão contra o racismo: não fazia
sentido idolatrarmos a sua figura e aplaudirmos os seus feitos… e depois
dizermos mal dos ‘pretos’.
E a história da colonização
portuguesa aponta no mesmo sentido.
Há quem diga que ela foi
igual a outras.
Não foi.
Nunca corremos a tiro as
populações indígenas, como fizeram os colonos europeus quando ocuparam as
terras do Tio Sam.
Nunca tivemos apartheid, ao
contrário do que aconteceu na África do Sul ou na Rodésia.
Cruzámo-nos em África e na
Ásia com as populações autóctones, tivemos filhos e muitas vezes assumimo-los.
E no tempo de Salazar houve
uma política de integração progressiva dos negros nas colónias africanas (aliás
muito criticada), criando-se o estatuto dos ‘assimilados’ - nativos que já
partilhavam a cultura europeia.
Houve actos racistas?Claro
que houve - e muitos.
Mas isso decorria da evidência
de uns serem colonizadores (e supostos portadores de um estádio de civilização
‘superior’) e os outros serem colonizados.
A regra, porém, era a
convivência mais ou menos pacífica.
Basta ir hoje a Angola ou
Moçambique para o constatarmos: os negros gostam dos portugueses, enquanto
detestam os russos e os cubanos - apesar de estes lá terem estado muito menos
tempo.
Mas então por que é que, de
repente, se passou a falar tanto de racismo em Portugal?
A responsabilidade foi,
sobretudo, do Bloco de Esquerda - que tem a capacidade de ir colocando
sucessivos temas na ‘agenda’.
Esgotada uma ‘causa’, vem
logo outra a seguir.
Depois de lançadas as
‘causas’ da legalização do aborto, da despenalização das drogas leves, das
salas de chuto, dos direitos dos homossexuais, da mudança de sexo aos 16 anos,
da igualdade de género, da contestação dos Descobrimentos, etc., que têm
ocupado a agenda mediática nos últimos anos, há que inventar outras.
O racismo está nessa linha.
Foram os dirigentes do BE
que começaram insistentemente a falar da existência de racismo em Portugal.
E a afirmação contagiou
outros partidos de esquerda, como o PS.
Ora, de tanto se falar dos
assuntos, eles transformam-se em realidades.
Há quem pense, como a
ministra, que os problemas se resolvem por se falar muito deles.
Discordo completamente: o
discurso anti-racista, repetido a propósito e a despropósito, acabou por
acordar demónios adormecidos.
O racismo, que há muito
tempo estava em estado de hibernação em Portugal, veio à superfície.
A discussão instalou-se, os
ânimos exaltaram-se, as posições extremaram-se - e aquilo que não constituía um
problema tornou-se de repetente uma questão gravíssima.
Veja-se o que aconteceu com
o artigo de Fátima Bonifácio.
Se não fosse o alarido feito
à sua volta, passaria sem grandes ondas.
Mas a atitude da direcção do
Público, fazendo mea culpa por publicar o texto, chamou brutalmente a atenção
para ele.
Atrevo-me a dizer que a
insólita reacção da direcção do jornal fez mais pelo racismo em Portugal do que
100 artigos como aquele ou piores.
Aliás, a ministra da
Justiça, ela própria, é o exemplo vivo da inexistência de racismo em Portugal.
E o primeiro-ministro é
outro.
Há uns bons anos, uma pessoa
das minhas relações - essa sim racista - disse-me que António Costa nunca chegaria
a líder do PS por ser «monhé». E acrescentou: «Os portugueses não gostam de
monhés».
Ora, António Costa não só
chegou a líder do PS como chegou a primeiro-ministro, cumpriu uma legislatura e
será com certeza reeleito.
Num país racista, isto não
seria possível.
Dir-se-á que aqui e ali há
referências à cor da sua pele.
Mas são raras - e têm muito
mais que ver com o facto de ser de esquerda do que com a sua ascendência goesa.
Os ataques que Costa sofre,
mesmo aqueles que têm aparentemente um cunho racista, são mais devidos a
questões políticas do que a questões raciais.
Nesta medida, remexendo uma
vez mais na ferida do ‘racismo’, Francisca Van Dunem prestou um mau serviço à
causa anti-racista.
Repito: na minha juventude,
ninguém via o racismo como um problema; hoje enche páginas de jornais.
De quem é a culpa?
Dos que querem à força
provar que o racismo existe - e fazem um alarido quando alguém tem uma opinião
diferente da deles.
Dos que propagam aos quatro
ventos as suas teorias - mas que calam os outros quando estes se querem
manifestar.
Depois das campanhas
anti-racistas que o BE lançou, a sociedade portuguesa é hoje muito mais racista
do que era antes.
Os conflitos raciais tendem
a multiplicar-se.
Mas não era isso mesmo que o
BE queria?
Acho que sim.
O BE quer ter ‘causas’ para
fundamentar as suas lutas, desestabilizar a sociedade e criar um permanente
ambiente de guerra.