Angola
desmarca uma visita da ministra da Justiça por causa de uma investigação
judicial em Portugal que envolve a segunda figura do regime. O governo de
Luanda considera mesmo
a actuação da Justiça portuguesa "inamistosa e despropositada" e
“sério ataque à República de Angola, susceptível de perturbar as relações
existentes entre os dois Estados”. A mesma Angola que é um dos destinos mais
importantes das nossas exportações e onde trabalham milhares de portugueses. Contudo,
alguém ouviu algum clamor em torno da forma ameaçadora e intolerável como
Luanda se dirigiu a Lisboa? Não.
Depois
dos sms da CGD, o tema do momento são as offshores. Ou, para ser mais exacto, o facto de não se terem
publicado estatísticas sobre as transferências para offshores nos
anos de 2011 a 2015.
Como
se verá lendo este artigo de Ana Suspiro – “Apagão fiscal”
nas transferências para offshores. O que se sabe e o que há para esclarecer – ainda se sabe muito pouco sobre se, para além da falha nos
deveres de transparência, alguma falha mais grave aconteceu.
Mesmo
assim os nossos partidos não falam de outra coisa pelo, apesar de ter preferido
esperar por mais esclarecimentos para escrever no Macroscópio sobre este tema,
as declarações de alguns responsáveis desceram a um nível que é impossível
ignorar por completo este tema, quanto mais não seja para distinguir o razoável
do irrazoável. Tomemos, por exemplo, a seguinte declaração da Catarina Martins,
líder do Bloco de Esquerda: “O Governo anterior deixou sair pela porta
do cavalo 10 mil milhões de euros, é um número que não é nada pequeno (…) é bem
mais do tudo o que gastamos com o Serviço Nacional de Saúde.” Ou esta do primeiro-ministro, no último debate
parlamentar: "É
absolutamente escandaloso que um Governo que não hesitou em acabar com a
penhora da casa de morada de família por qualquer dívida tenha tido a
incapacidade de verificar o que aconteceu com 10 mil milhões de euros que
fugiram do país".
Sem
entrar no julgamento do sentido político destas declarações, mesmo assim acho
que vale pena explicar algumas coisas. Primeiro: a utilização de offshores é
legal, sendo que por vezes até fundos públicos a elas recorrem, como lembrava
João Vieira Pereira este sábado no Expresso, em Sobre as
offshores (paywall): “O seu uso é tão generalizado que até o fundo de
estabilização da Segurança Social foi apanhado a usar offshores apenas porque
investiu em fundos que eram emitidos por um dos muitos paraísos fiscais. Tudo
legal.”
Depois,
ao contrário do que é voz corrente, em condições normais, “do ponto de vista fiscal, é
penalizador recorrer a paraísos fiscais, dizem os especialistas”, explica o ECO em Afinal, para que
serve uma offshore? As vantagens das offshores para muitas
grandes empresas e transacções internacionais são outras, a começar por “um conjunto mais simplificado
de obrigações em termos de reporte, de controlo”, escreve-se no mesmo jornal. No caso das
offshores que não obedecem a regras de transparência, é aqui que podem surgir
operações ilícitas, mas não há qualquer indicação que, no que os bancos estão
obrigados a reportar às autoridades fiscais isso aconteça.
Isso
mesmo sublinha João Taborda da Gama no Diário de Notícias, em Erro estatístico,
texto onde refere, de forma irónica, que não é provável que quem queira fazê-lo
utilize um banco português: “Só um bandido fiscal muito amador ia ao balcão
da Caixa em Telheiras, tirava a senha, pedia o papelinho das transferências (…)
e transferia da conta à ordem (…) dois ou três mil milhões para uma empresa nas
Bahamas. Descritivo? Pode colocar DLI, dinheiro livre de impostos.” Se não há, para já, qualquer evidência que
tenha havido qualquer fuga aos impostos, “Ficamos com os dez mil milhões que, diz-se, não
receberam o "devido tratamento", não "foram tratados"
(...). Talvez recordar duas ou três coisas óbvias: não é proibido fazer
pagamentos para o estrangeiro, nem para offshores nem para inshores, e esses pagamentos não têm de ser autorizados pelo
governo nem por ninguém
(…). Depois, estamos a falar de tudo isto precisamente porque estes pagamentos
foram declarados - o fisco tem todos os dados, montantes, origem, destino,
datas, os números das portas para ir lá bater e fazer as perguntas que quiser.
E isto não tem nada que ver com as estatísticas estarem ou não publicadas.” (por José Manuel Fernandes
no Macroscópio)