terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

os offshore's e as estatisticas!

Angola desmarca uma visita da ministra da Justiça por causa de uma investigação judicial em Portugal que envolve a segunda figura do regime. O governo de Luanda considera mesmo a actuação da Justiça portuguesa "inamistosa e despropositada" e “sério ataque à República de Angola, susceptível de perturbar as relações existentes entre os dois Estados”. A mesma Angola que é um dos destinos mais importantes das nossas exportações e onde trabalham milhares de portugueses. Contudo, alguém ouviu algum clamor em torno da forma ameaçadora e intolerável como Luanda se dirigiu a Lisboa? Não.
Depois dos sms da CGD, o tema do momento são as offshores. Ou, para ser mais exacto, o facto de não se terem publicado estatísticas sobre as transferências para offshores nos anos de 2011 a 2015.
Como se verá lendo este artigo de Ana Suspiro – “Apagão fiscal” nas transferências para offshores. O que se sabe e o que há para esclarecer – ainda se sabe muito pouco sobre se, para além da falha nos deveres de transparência, alguma falha mais grave aconteceu.
 
Mesmo assim os nossos partidos não falam de outra coisa pelo, apesar de ter preferido esperar por mais esclarecimentos para escrever no Macroscópio sobre este tema, as declarações de alguns responsáveis desceram a um nível que é impossível ignorar por completo este tema, quanto mais não seja para distinguir o razoável do irrazoável. Tomemos, por exemplo, a seguinte declaração da Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda: “O Governo anterior deixou sair pela porta do cavalo 10 mil milhões de euros, é um número que não é nada pequeno (…) é bem mais do tudo o que gastamos com o Serviço Nacional de Saúde.” Ou esta do primeiro-ministro, no último debate parlamentar: "É absolutamente escandaloso que um Governo que não hesitou em acabar com a penhora da casa de morada de família por qualquer dívida tenha tido a incapacidade de verificar o que aconteceu com 10 mil milhões de euros que fugiram do país".

 
Sem entrar no julgamento do sentido político destas declarações, mesmo assim acho que vale pena explicar algumas coisas. Primeiro: a utilização de offshores é legal, sendo que por vezes até fundos públicos a elas recorrem, como lembrava João Vieira Pereira este sábado no Expresso, em Sobre as offshores (paywall): “O seu uso é tão generalizado que até o fundo de estabilização da Segurança Social foi apanhado a usar offshores apenas porque investiu em fundos que eram emitidos por um dos muitos paraísos fiscais. Tudo legal.”

 
Depois, ao contrário do que é voz corrente, em condições normais, “do ponto de vista fiscal, é penalizador recorrer a paraísos fiscais, dizem os especialistas”, explica o ECO em Afinal, para que serve uma offshore? As vantagens das offshores para muitas grandes empresas e transacções internacionais são outras, a começar por “um conjunto mais simplificado de obrigações em termos de reporte, de controlo”, escreve-se no mesmo jornal. No caso das offshores que não obedecem a regras de transparência, é aqui que podem surgir operações ilícitas, mas não há qualquer indicação que, no que os bancos estão obrigados a reportar às autoridades fiscais isso aconteça.


 
Isso mesmo sublinha João Taborda da Gama no Diário de Notícias, em Erro estatístico, texto onde refere, de forma irónica, que não é provável que quem queira fazê-lo utilize um banco português: Só um bandido fiscal muito amador ia ao balcão da Caixa em Telheiras, tirava a senha, pedia o papelinho das transferências (…) e transferia da conta à ordem (…) dois ou três mil milhões para uma empresa nas Bahamas. Descritivo? Pode colocar DLI, dinheiro livre de impostos.” Se não há, para já, qualquer evidência que tenha havido qualquer fuga aos impostos, “Ficamos com os dez mil milhões que, diz-se, não receberam o "devido tratamento", não "foram tratados" (...). Talvez recordar duas ou três coisas óbvias: não é proibido fazer pagamentos para o estrangeiro, nem para offshores nem para inshores, e esses pagamentos não têm de ser autorizados pelo governo nem por ninguém (…). Depois, estamos a falar de tudo isto precisamente porque estes pagamentos foram declarados - o fisco tem todos os dados, montantes, origem, destino, datas, os números das portas para ir lá bater e fazer as perguntas que quiser. E isto não tem nada que ver com as estatísticas estarem ou não publicadas.” (por José Manuel Fernandes no Macroscópio)