Ninguém estava à espera. Perto da
meia-noite de segunda para terça-feira, Marcelo Rebelo de Sousa colocou um
comunicado no site da Presidência sobre a polémica que levou Mário
Centeno a colocar o seu lugar de ministro das Finanças à disposição de António
Costa.
.
“O Presidente da
República recebeu, a pedido do Senhor Primeiro-ministro, o Senhor Ministro das
Finanças que lhe deu conhecimento prévio da comunicação que iria fazer ao País.
O Presidente da
República:
1.º – Registou as
explicações dadas pelo Senhor Ministro das Finanças, bem como a decorrente
disponibilidade para cessar as suas funções, manifestada ao Senhor
Primeiro-ministro.
Primeiro, Marcelo revela que o
ministro apresentou a demissão, ou uma espécie de demissão, num dia em que o
primeiro-ministro estava fora do país. Depois, se os ministros apenas respondem
perante o primeiro-ministro, desde quando dão explicações, a sós, ao Presidente
da República?
2.º – Tomou devida nota,
em particular, da confirmação da posição do Governo quanto ao facto de a
alteração do Estatuto do Gestor Público não revogar nem alterar o diploma de
1983, que impunha e impõe o dever de entrega de declarações de rendimento e
património ao Tribunal Constitucional.
Confirmação? Então ainda havia dúvidas
sobre o diploma que o PR promulgou em julho de 2016?
Posição essa, desde
sempre, perfilhada pelo Presidente da República – aliás, como óbvio pressuposto
do seu ato de promulgação – e expressamente acolhida pelo Tribunal
Constitucional.
Se sempre foi esta a posição do PR,
que dúvidas houve então sobre a posição do Governo? Que segredos ainda nos
revelarão os SMS?
3.º – Reteve, ainda, a
admissão, pelo Senhor Ministro das Finanças, de eventual erro de perceção mútuo
na transmissão das suas posições.
O PR “reteve” a admissão do erro
“mútuo”, ou seja, sublinha que o ministro admitiu que errou ao dar a Domingues
uma percepção errada. Mas será que acredita que foi só isso que aconteceu? Ou
está a sugerir que poderá ter mentido?
4.º – Reafirmou que a
interpretação autêntica das posições do Presidente da República só ao próprio
compete.
Quem será que está a interpretar
indevidamente o pensamento do Presidente? Se a "interpretação
autêntica" só ao próprio compete, porque não a explica melhor para evitar
interpretações indevidas?
5.º – Ouvido o Senhor
Primeiro-ministro, que lhe comunicou manter a sua confiança no Senhor Professor
Doutor Mário Centeno, aceitou tal posição, atendendo ao estrito interesse
nacional, em termos de estabilidade financeira.
Centeno só se aguenta em nome do
interesse nacional, noutras circunstâncias teria sido demitido. Ou seja, já só
tem a confiança do primeiro-ministro. O paradoxo é que só necessita dessa
confiança para se manter no lugar, não da confiança do PR. O que significa que
esta passagem do comunicado é politicamente assassina. E qual o interesse de
Marcelo em deixar o ministro ainda mais fragilizado?
Palácio de Belém, 13 de
fevereiro de 2017″