O Presidente da República ficou
desgostoso por os portugueses terem elegido “geringonça” como palavra do ano. Ele
teria optado por “descrispação”. É uma escolha surpreendente de Marcelo, desde
logo porque a palavra não existe. Porto Editora, Houaiss, Aurélio, Academia –
nenhum dicionário cá de casa a reconhece. Mas o que em Cavaco seria ignorância,
em Marcelo é imaginação, e “descrispação” está em linha com a bonita mensagem
que nos deixou na passagem do ano, quando elogiou o “clima menos tenso, menos
dividido, menos negativo cá dentro e uma imagem mais confiável lá fora”.
[…]
Estamos mais descrispados, de facto,
e descrispámo-nos graças a um trabalho conjunto de Marcelo e António Costa, um
a dar beijos e abraços, o outro a distribuir sorrisos, numa autêntica suruba de
afectos. O resultado de tanta energia positiva está à vista. Clima menos tenso?
Confere. Menos dividido? Confere. Menos negativo? Confere. Uma imagem mais
confiável lá fora? Não confere. Ups, há qualquer coisa que falha nesta narrativa.
Acabámos de passar a barreira
psicológica dos 4%, e nada indica que fiquem por aí. E é neste ponto preciso
que a história da descrispação e do clima menos tenso, menos dividido e menos
negativo se revela aquilo que realmente é: uma autêntica e descabelada fraude.
Desta fraude, nem António Costa, nem
Marcelo Rebelo de Sousa, devem ser considerados inocentes no dia em que o diabo
chegar – porque ele, acreditem, não vai falhar à chamada. Nós estamos há um ano
a gostar de ser enganados pelos actuais governantes. […] (João
Miguel Tavares)