Nos partidos de governo da Europa, era costume os líderes que perdiam a confiança dos eleitores ou dos seus pares retirarem-se. Nos partidos sociais-democratas,
deixou de ser assim, porque é possível ao líder rejeitado sobreviver com o amparo de um radicalismo sectário que demoniza a “direita” e trata como “traidores” os que, à
esquerda, não pensam dessa maneira.
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É assim que a Grã-Bretanha não tem oposição,
a Espanha não tem governo, e
Portugal tem um governo que aumenta a dívida e inventa impostos, à espera não se sabe de quê.
A democracia representativa e a economia de mercado estão hoje em causa, à direita e à esquerda. A esquerda democrática precisa de
se defender do radicalismo, se quiser ser relevante nesse debate, e não apenas o último refúgio de líderes falhados.
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Na Espanha Pedro Sánchez já não é líder do PSOE. Mas a sua história é muito instrutiva sobre as aflições
da esquerda democrática na Europa.
Sánchez perdeu todas as eleições – duas legislativas, duas autonómicas, e as municipais –, com os piores resultados da
história do PSOE. Perdeu também a confiança do Comité Executivo, com 17 dos seus 35 membros a saírem em protesto. Mas mesmo sem eleitores e sem colegas, Sánchez preparava-se para ficar.
O plano, cheio de truques, era convocar eleições directas, para ser confirmado como líder pelos militantes.
“La estrategia estaba clara. Los números no salían y sólo cabía hacer fracasar el Comité Federal. «Es la bronca típica de los minoritarios en una asamblea de agrupación. Provocar el caos para impedir que la mayoría consiga imponerse», apunta un conocedor de los entresijos
socialistas. Durante el día, el sector de Sánchez utilizó argucias para impedir el desarrollo normal de la mano de César Luena y de un peón
fundamental, Rodolfo Ares, miembro de la Mesa del Comité. Su único objetivo era que el Comité Federal fracasara y Pedro Sánchez siguiera en la Secretaría General. Para ello, era necesario que se impidiera cualquier tipo de votación.”
Foi para MANTER O LUGAR que daquele modo que Sánchez recusou viabilizar um governo do PP em Espanha durante um ano.
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Na Inglaterra, o líder trabalhista Jeremy Corbyn perdeu o referendo europeu e anda com sondagens terminais. Mas ao contrário de Cameron, não
se demitiu. Ficou, apesar de os eleitores e de a maioria dos seus deputados o terem renegado. Como? Apelando aos radicais que desde Maio do ano passado, em vez de fazerem um Podemos, invadiram em massa o partido e o reelegeram
novamente líder. Corbyn não é, de facto, o líder do Partido Trabalhista que existia em 2015: não tem o apoio dos deputados então eleitos por nove milhões de votantes, nem sequer
foi a escolha da maioria daqueles que já eram membros do partido em Maio do ano passado (63% preferiram Owen Smith). Corbyn é líder com os votos dos activistas de extrema-esquerda que entretanto ocuparam o partido. A sua intransigência radical serve-lhe
para denunciar os opositores como “Tory lite” e expô-los à ameaça dos sicários.
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Em Portugal, temos um precursor de Sánchez e de Jeremy Corbyn. Em 2015, António Costa foi recusado pelos eleitores. Por alguns instantes, na noite
de 4 de Outubro, terá havido dúvidas no PS. Ao entregar-se ao PCP e ao BE, como Sánchez pensou fazer com o Podemos e a Esquerda Unida, Costa salvou-se. Não arranjou apenas uma maioria de derrotados
para governar. Secou qualquer alternativa no partido, porque criticá-lo passou a ser fazer o jogo da “direita”, essa força maléfica que justifica o pacto do PS com partidos que negam os seus
valores. Como curiosidade também contou com um César e um Pedro...e muitos, muitos jornalistas! (por Rui Ramos no Observador)