Não é por acaso que após os
atentados terroristas vivemos uma sensação de desconcerto, como se não fosse
justo nem lógico fazerem-nos aquilo. Na verdade para nós não é. Mas só para
nós. Do ponto de vista do terrorista não só tudo aquilo faz sentido como é
lógico: são actos tácticos de uma estratégia com objectivos próprios.
O terrorista não é uma marionete
puxada pelos fios dos actos presentes e passados dos outros.
Muito menos é alguém que buscando os
mesmos objectivos de justiça dos não terroristas apenas se enganou no caminho.
O terrorista existe independentemente de nós.
Recordo como este exercício de ver o
terrorista como um resultado e não como um sujeito dotado de vontade própria
era particularmente penoso no caso dos atentados da ETA, em Espanha. Primeiro a
ETA matava por causa de Franco. Depois veio a Transição a ETA passou a matar
ainda mais (é exactamente durante a Transição que a ETA é mais mortífera: 84
mortos em 1979 e 93 em 1980) mas tal, dizia-se, explicava-se pelo combate à
herança do franquismo presente no aparelho de Estado. A Espanha tornou-se
democrática e a ETA continuava a matar militares, polícias, políticos e
empresários mas isso devia-se à ligação dos militares ao passado, dos polícias
à repressão, daqueles políticos à direita e dos empresários ao dinheiro.
A ETA continuava a matar.
Politicamente as balas entravam em nucas de direita e de esquerda.
Mas havia sempre uma culpa da
sociedade espanhola para explicar mais uma bomba e mais uma bala: eram os
presos da ETA que não podiam estar todos juntos na mesma prisão; era o tribunal
que os condenava; era o artigo no jornal que os tinha ofendido; o empresário
que não pagava o imposto revolucionário… E quando não se percebia que ligação
haveria entre a vítima e os seus verdugos aventava-se que a vítima podia ser um
informador. Ou um narcotraficante, porque a ETA queria o País Basco livre de
drogas.
A par dos atentados, a ETA
desdobrava-se em várias organizações legalíssimas e activíssimas no combate à
violência (das autoridades policiais, claro) e de promoção dos direito humanos,
(dos terroristas obviamente). Advogados, professores universitários e
jornalistas desdobravam-se, em Espanha e fora dela, em concentrações e
conferências de denúncia destes graves atentados à democracia. Ainda por aí andam
folhetos em que ilustres participantes portugueses se propunham mediar entre a
ETA e o intransigente Estado espanhol.
Até que a 10 de Julho de 1997 a ETA
sequestrou Miguel Ángel Blanco, um vereador do PP em Ermua, e deu dois dias ao
Governo, então presidido por Aznar, para reagrupar os presos da organização
(independentista e não terrorista, segundo boa parte dos orgãos de
comunicação). A 13 de Julho o cadáver de Miguel Ángel Blanco era descoberto e
nasceu o chamado Espírito de Ermua em que para lá do PSOE e do PP terem
estabelecido uma espécie de pacto de regime no combate ao terrorismo a
sociedade espanhola deixou de procurar as culpas das vítimas em cada atentado.
Resultado: a ETA foi derrotada.
Mas só a ETA, porque o discurso do
terrorismo, enquanto resposta automática e não como estratégia de vontade
própria, esse apenas mudou os protagonistas do seu enquadramento.
(em “O principado de Zouheir” no Observador por
Helena Matos)