domingo, 4 de janeiro de 2015

O país dos anos quentes

Foi um verão quente e longo. Discutia-se política como hoje se discute futebol. Em vez de turistas, os hotéis estavam cheios de retornados. Era outro país: imaginem o PCP no governo, ou as forças armadas à disposição de Otelo. O PREC foi o equivalente, com trinta anos de atraso, das “libertações” de 1944-1945 em Itália ou em França, com um partido comunista à conquista do Estado e o Estado à conquista da sociedade. Mais um pouco, e não teria acontecido: a última revolução socialista da Europa coincidiu com a crise do petróleo e o início da viragem liberal no Ocidente: quatro anos depois, Thatcher e Reagan estavam no poder.
O ambiente de esquerdismo facilitou a retirada de África, a maior prioridade das autoridades militares. O PREC acabou por naufragar no pluralismo do país. As eleições de 25 de abril geraram o atual leque partidário, com comunistas e esquerdistas em minoria. As manifestações do verão opuseram ao “povo” da esquerda, a sul, o “povo” da direita, a norte. Portugal não era o país homogéneo da propaganda. Muita coisa aconteceu na rua e nas assembleias do MFA, mas muito mais coisas aconteceram no segredo dos gabinetes e das embaixadas. Uma vez era Vasco Gonçalves que estava no poder; de repente, era Pinheiro de Azevedo.

As revoluções nunca são transparentes. No fim, todos acabaram frustrados: os revolucionários não meteram os “fascistas” no Campo Pequeno; os contra-revolucionários não limparam os “comunas”. Portugal não foi Cuba, nem o Chile: melhor assim. Dez anos depois, começámos a parecer um país europeu. (Ramos, Rui in http://Observador)