Foi um verão quente e longo.
Discutia-se política como hoje se discute futebol. Em vez de turistas, os
hotéis estavam cheios de retornados. Era outro país: imaginem o PCP no governo,
ou as forças armadas à disposição de Otelo. O PREC foi o equivalente, com
trinta anos de atraso, das “libertações” de 1944-1945 em Itália ou em França,
com um partido comunista à conquista do Estado e o Estado à conquista da
sociedade. Mais um pouco, e não teria acontecido: a última revolução socialista
da Europa coincidiu com a crise do petróleo e o início da viragem liberal no
Ocidente: quatro anos depois, Thatcher e Reagan estavam no poder.
O ambiente de esquerdismo facilitou
a retirada de África, a maior prioridade das autoridades militares. O PREC
acabou por naufragar no pluralismo do país. As eleições de 25 de abril geraram
o atual leque partidário, com comunistas e esquerdistas em minoria. As
manifestações do verão opuseram ao “povo” da esquerda, a sul, o “povo” da
direita, a norte. Portugal não era o país homogéneo da propaganda. Muita coisa
aconteceu na rua e nas assembleias do MFA, mas muito mais coisas aconteceram no
segredo dos gabinetes e das embaixadas. Uma vez era Vasco Gonçalves que estava
no poder; de repente, era Pinheiro de Azevedo.
As revoluções nunca são
transparentes. No fim, todos acabaram frustrados: os revolucionários não
meteram os “fascistas” no Campo Pequeno; os contra-revolucionários não limparam
os “comunas”. Portugal não foi Cuba, nem o Chile: melhor assim. Dez anos
depois, começámos a parecer um país europeu. (Ramos, Rui in http://Observador)