sábado, 31 de dezembro de 2022

Bento XVI

Do progressismo teológico ao papel na reforma da Igreja, Ratzinger foi quem durante mais tempo influenciou a maior instituição religiosa do mundo na história contemporânea. Morreu aos 95 anos. Conheça a sua longa vida

Papa Bento XVI - Joseph Aloisius Ratzinger


 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Uma tristeza profunda que nem o Natal mitiga

A 2 de novembro, dia de finados, decidimos exteriorizar publicamente a nossa tristeza e prolongá-la no tempo. Decisão profundamente ponderada pela Direção Central e pelo Conselho Supremo da Liga dos Combatentes. Ponderada foi, também, a forma como transmitir publicamente o sentimento auscultado, desde há anos, por parte dos Combatentes, quer nas inúmeras cerimónias, convívios e visitas feitas pelos elementos da Direção Central e Direções dos Núcleos por esse Portugal profundo, quer em contundentes cartas e mails anti-governos sistematicamente recebidos. O Estatuto do Combatente, documento histórico ainda não completamente regulamentado nem implementado, foi bem acolhido, mas quedou- -se por medidas de ordem moral e ficou sem tomar qualquer atitude no que se refere aos direitos adquiridos por todos os Combatentes após a publicação da Lei 9/2002, depois profunda e negativamente alterada pela Lei 3/2009 e mantidos, sem alteração, pelo chamado Estatuto do Antigo Combatente. Sublinho que os direitos foram reconhecidos a todos os Combatentes e não apenas aos mais carenciados. Por isso, a posição da Liga dos Combatentes tem sido a da revisão dos direitos adquiridos por todos os Combatentes, sem distinção daqueles a quem a vida veio a sorrir ou daqueles para quem a vida foi madrasta. Todos, ricos e pobres, cumpriram, então, com sacrifício e perda do direito à liberdade e do direito à vida, de armas na mão, um serviço superior ao país que a lei 9/2002 veio a recompensar materialmente. Direito esse que a lei 3/2009 veio a reduzir drasticamente e que serviços como a CGA e Segurança Social reduziram e alteraram para menos, sem qualquer explicação aos Combatentes, que não seja a informação que se trata da aplicação da lei e nada mais. Mas passemos à exemplificação de casos concretos. A lei 9/2002 estabelecia suplementos especiais de pensão e acréscimo vitalício de pensão, para todos os Combatentes, de acordo com o tempo passado em áreas de grande periculosidade, que em média se situavam em cerca de 200 a 300 euros por ano. A Lei 3/2009 veio reduzir e fixar limites mínimos e máximos. Máximo, 150 euros ano, para quem passou mais de dois anos em áreas definidas como de grande perigo, 100 euros ano para quem esteve até dois anos e 75 euros para quem esteve até um ano. Se a redução na Lei 3/2009 foi drástica, a execução da lei foi até hoje incompreensível. Há Combatentes que recebiam 150 euros e recebem hoje 60 euros ano. Há Combatentes que recebiam 75 euros e recebem hoje 36 euros ano. Há Combatentes que ultrapassam o máximo e recebem 180 euros ano! Sobre todos os suplementos recai o IRS! Os Combatentes do quadro permanente deixaram de receber pela Lei 3/2009. Mas há Combatentes do quadro permanente que continuam a receber. Por outro lado, o complemento especial de pensão que se destina aos Combatentes com pensão social, pouco mais de 200 euros mês, passou pela Lei 3/2009 para apenas 3,5% da pensão por cada ano de serviço o que significava cerca de 7 euros/ano. O novo estatuto aumentou o complemento especial de pensão 100%, o que corresponde a cerca de 14 euros! Manifestamente insuficiente. São cerca de 1700 Combatentes nesta situação. A Liga dos Combatentes, nas suas propostas entregues à Assembleia da República e ao Governo, em maio de 2021 e maio de 2022, propôs um vencimento mínimo por mês para estes Combatentes em situação de pobreza evidente, e para os restantes um vencimento mínimo por ano, a atingir em três anos (ver as outras propostas completas na revista «Combatente» e site da Liga). Os restantes Combatentes, cerca de trezentos mil, a que agora acrescem as viúvas (contempladas pela Lei 9/2002 e excluídas pela Lei 3/2009), mantêm-se na situação descrita, recebendo anualmente o que apelidam de “esmola” de outubro, referente ao suplemento especial de pensão uns e outros ao acréscimo vitalício de pensão. É essa situação geral de tratamento indigente e incompreensível quanto à alteração e diferenciação do mesmo, para que mais uma vez se alerta. Nem apoio à saúde, nem o apoio do HFAR tem sido possível, embora as Forças Armadas e o Ministério da Defesa Nacional, tudo tivessem diligenciado para que isso acontecesse. Outros apoios médicos e medicamentosos, nada foram considerados e a taxa moderadora, concedida no Estatuto foi, e bem, extensível a todo o cidadão. Os transportes gratuitos ficaram reduzidos aos transportes terrestres até 32 km da residência e a entrada dos Museus, reduzida a 25 museus nacionais! Regista-se, porém, um esforço para implementar medidas do Estatuto. Alguns dos Combatentes sentem-se recompensados por finalmente serem considerados, por proposta da Liga dos Combatentes, embora 47 anos após o fim da guerra, como “Titulares do Reconhecimento da Nação”. Grande Vitória moral! A generosidade dos Combatentes não tem limites! Cumprem o seu juramento. Mas o sentimento de frustração e de tristeza, constatando que foram votados ao ostracismo, em termos de apoio social e apoio à saúde, é real, quando se sente hoje a preocupação governamental, em termos de orçamento do estado e face à situação atual, de se compensarem todos os cidadãos, onde como é natural se situam os Combatentes, mas sobre os quais se enunciam, mais uma vez, apenas efémeras e teóricas referências. A Liga dos Combatentes vem informando desta situação, desde há anos, quer ao nível da Presidência da República, Assembleia da República, Primeiros-ministros e Ministério últimas propostas da Liga dos Combatentes. Foi atitude unânime manifestar publicamente a nossa tristeza. A maior tristeza do povo manifesta-se no luto. Os Combatentes emanam do povo. A sua grande tristeza manifesta- -se pelo sentimento do luto. No dia 2 de novembro, colocaram na lapela do casaco um laço preto de Homenagem aos Combatentes caídos, em especial aos caídos sem apoio à saúde e sem apoio social. Continuarão usando esse laço preto na lapela do casaco, em cerimónias, convívios e outras atividades públicas, em sinal de tristeza, para não usar outros adjetivos, até que a situação descrita neste editorial seja resolvida. Esta situação não poderá implicar que não passemos tranquilos e evoquemos o Natal, gozando esta Paz teórica, feliz geograficamente, ainda sem tiros, neste canto do mundo à beira mar plantado. Estaremos tristes, mas unidos nos mesmos valores e princípios que a condição militar nos ensinou quando foi necessário defender, de armas na mão, os interesses então considerados superiores do país. Foi isso que nos tornou cidadãos diferentes, e iguais àqueles que se bateram e batem hoje desde a Bósnia à República Centro Africana. Somos aqueles cidadãos diferentes, que na sua juventude, durante anos, perderam a Liberdade e o Direito à Vida. Por isso a nossa esperança continua inabalável. Temos razão e apelamos por justiça. Quem dentro de uns anos falta implementar. É sobre aquilo que falta legislar, e é fundamental, que aqui deixamos o sentimento generalizado dos Combatentes. Entretanto, renasce esperança no caminho a percorrer, ao ouvirmos a Ministra da Defesa Nacional, na tomada de posse do Diretor-Geral de Recursos da Defesa Nacional, atribuir primeira prioridade aos assuntos dos Antigos Combatentes e dos deficientes militares que deverão constituir preocupação dominante daquela Direção-Geral de Recursos. A Liga dos Combatentes continuará sempre atenta e disponível. Um outro assunto agudizou a nossa tristeza. O facto da Liga dos Combatentes ter apresentado a sua candidatura, no âmbito do seu Programa Estratégico e Estruturante Liga Solidária, ao Programa aberto pelo Ministério da Segurança Social, para apoio à construção de uma Residência para Combatentes e famílias no Entroncamento e a mesma não ter sido contemplada. Temos um terreno cedido pela Câmara do Entroncamento e o seu empenhado apoio, apresentámos projeto e exigiram-nos os projetos finais que nos custariam cerca de mais 150.000 euros, sem que tivéssemos a certeza de ser contemplados. Comprometemo-nos a entregar imediatamente esses projetos se fossemos contemplados. Temos uma residência no Porto e outra em Estremoz, era importante ter uma no centro onde temos muitos antigos militares e famílias necessitadas.

domingo, 25 de dezembro de 2022

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Habituem-se!

Confesso que hesitei em escrever este artigo. Primeiro, porque compreensivelmente receava a dura prova de ler nada menos do que as 11 páginas da entrevista de António Costa à Visão. Um confronto assim com a temível máquina de palavras que é António Costa ameaçava deixar-me derreado. Em segundo lugar, porque já tanta gente escreveu ou falou da entrevista em questão que a probabilidade de notar algo que tivesse passado previamente despercebido era remota.
E é verdade que os traços mais salientes da entrevista foram quase todos notados. Por exemplo, o seu desprezo manifesto pela oposição, expresso numa linguagem grosseira e primitiva. Assim, a IL é constituída por “queques” que “guincham”, o que os torna “ridículos”, sem conseguirem alçar-se ao “vozeirão popular que o Ventura consegue fazer”. O PSD, pelo seu lado, em estado de desespero, “faz números”. “Guinchos” e “números” são, naturalmente, amplificados pela “bolha mediática”, aliada à “central de produção de soundbites da direita”. Toda esta gente ignora por inteiro os verdadeiros problemas dos portugueses, que intimamente a desprezam e amam Costa. O único problema do Governo que não se reduz a “casos e casinhos” puramente imaginários foi o de Pedro Nuno Santos com o aeroporto, e esse foi resolvido em 24 horas.

Não é que Costa negue a necessidade de uma verdadeira oposição. Nobremente, reconhece que “não há nenhum bom governo que não precise de uma boa oposição”, acrescentando com uma generosidade única: “É muito útil para a democracia”. Grande verdade, grande sabedoria, grande lição. Infelizmente, a oposição, que tanto o deveria saber, ajudada pela “bolha mediática”, ignora-o abissalmente. E com essa atitude, Costa não tem paciência. Mas mesmo nenhuma. Enumera as suas profundas preocupações de estadista e desabafa: “se agora andasse a distrair-me com essas coisas que entretêm os comentadores, meu Deus!”. Tal a sua irritação que menciona o incómodo que a insistência nos “casos e casinhos” causa junto dos seus assessores de imprensa, “que podiam concentrar-se noutros trabalhos e são ocupados a distrair-se com esses assuntos”. Não está bem, de facto. Os assessores de imprensa a preocuparem-se com as histórias de Miguel Alves! Não é justo!

Mas o que o irrita verdadeiramente e provoca a sua indomável cólera é outra coisa: são as “mentiras vis” – “velhacarias”, diria o seu mestre Sócrates – de Carlos Costa no livro de Luís Rosa. Isso põe-no fora de si. E lembra o exemplo do pai e da mãe. Face à turpitude de “criaturas” que revelam em público conversas, “mantenho-me nas regras da educação que os meus pais me deram” – que comportam, sem dúvida, os imperativos de não “guinchar” nem “fazer números”. A família, de resto, ocupa uma elevada presença no pensamento de António Costa. Respondendo a uma pergunta sobre os novos dois irmãos no Governo, que aparentemente violariam a regra imposta desde o tempo do célebre caso das famílias no conselho de ministros, Costa responde (vale a pena citar a resposta por inteiro): “Disse tudo: são duas personalidades com competências reconhecidas. Tenho uma grande vantagem: vejo, pela minha própria família, que não é pelo facto de eu ser o primeiro-ministro e de o meu irmão ser quem é [Ricardo Costa, director de informação da SIC] que deixo de cumprir as minhas funções, e ele também”. Os entrevistadores, Mafalda Anjos e Filipe Luís, aparentemente não levaram a mal que Costa não lhes respondesse à questão que tinham colocado – a colisão com um princípio por ele próprio estabelecido –, já que não insistiram na pergunta, talvez embevecidos com tão notáveis exemplos familiares.

Tudo isto tem a sua importância, embora uma importância relativa. O que, pelo contrário, é verdadeiramente preocupante num primeiro-ministro é outra coisa: a sua manifesta ignorância do que significa “estrutural”. Em três colunas da entrevista, Costa usa a palavra pelo menos 11 vezes. O que significa, sem dúvida, que a aprecia – ou, pelo menos, que ela lhe lembra alguma coisa. Infelizmente, lembra-lhe qualquer coisa de errado, atendendo ao modo como a utiliza.

Senão, vejamos. António Costa começa por distinguir as reformas estruturais que a direita quer das que ele defende. As da direita, presume-se, são vãs e malignas (e, no que têm de bom, como as que permitiriam a melhoria da competitividade da nossa economia, ele fá-las melhor). As dele, pelo contrário, são magníficas e prosseguem, indomáveis, à velocidade da luz.

São elas: “ter reduzido para menos de metade o abandono escolar precoce no nosso País”, “a mudança mais estrutural do País, porque muda tudo”; a mudança estrutural – aliás, uma “revolução estrutural” – obtida, no seguimento “da paixão do engenheiro Guterres pela Educação” e “do programa tecnológico do engenheiro Sócrates”, nos níveis de qualificação do País; a mudança estrutural na “forma como temos finanças públicas sustentáveis e ao mesmo tempo conseguimos aumentar o investimento público”; a “mudança estrutural em curso” na redução da pobreza; o encerramento das centrais de carvão; o aumento de dotação para a Saúde; e a aprovação do estatuto do SNS. “Se isto não são mudanças estruturais, o que são mudanças estruturais?”, pergunta-se.

 

Ora, se entendermos por “estrutural” aquilo que normalmente se entende, isto é, no mínimo, problemático. “Estrutura” significa uma rede interconectada que serve de base a uma série de operações que a partir delas podem ser operadas. É, portanto, algo de que possui uma forte estabilidade que contrasta com a variabilidade relativa daquilo que a partir dela pode ser produzido através de um número indefinido de combinações. É uma versão simplificadora das coisas, é verdade, mas é aqui suficiente. A natureza, as sociedades, as línguas e um sem-número de outras realidades possuem estruturas: definem-se a partir delas. As mutações estruturais, possíveis em algumas dessas realidades – e as sociedades pertencem a esta categoria –, são transformações nessa base, a partir de reformas ou de revoluções, que modificam, em graus variáveis, as combinações possíveis na superfície da estrutura. Não são modificações na superfície: são modificações na base que determinam, mais ou menos univocamente, modificações na superfície.

Como é bom de ver, as “reformas estruturais”, ou “revoluções estruturais”, mencionadas por Costa não são, com a possível excepção do encerramento das centrais de carvão, nada de estrutural. São rearranjos, mais ou menos felizes, mais ou menos credíveis, da superfície. Não quero estar aqui a discutir a felicidade ou infelicidade desses arranjos, a sua credibilidade ou inverosimilhança. Apenas quero dizer que nada têm de estrutural.

Seria pretensioso da minha parte estar aqui a discutir a pertinência do vocabulário de Costa neste ponto particular, não fosse ele revelar a natureza – estrutural, de facto, essa – do modo de relação de António Costa com a linguagem. Como boa e bem rolada máquina de palavras que é, ele é useiro e vezeiro em utilizar as palavras sem relação directa (às vezes, nem sequer indirecta) com o seu significado. É a versão portuguesa do Humpty-Dumpty da Alice: as palavras significam o que eu quero. E não há nada a fazer: ele é assim. Para que deixasse de o ser, seria preciso uma verdadeira revolução estrutural. Suponho que com meras reformas ele não ia lá.

Socialistas europeus expulsaram Eva Kaili. Por cá, o que diriam os "nossos" socialistas?

A eurodeputada Eva Kaili foi detida por suspeita de corrupção, mas isso bastou para socialistas europeus e gregos a expulsarem das suas fileiras.

Por cá diríamos apenas que era a Justiça a funcionar e que a Política tinha de esperar... pelo trânsito em julgado.

O "vosso "Presidente da minha República afirmou:
"Em matéria de corrupção não há meios-termos. Se há matéria a investigar deve-se investigar exemplarmente a todos os níveis, porque senão a corrupção alimenta a corrupção e a impunidade alimenta a impunidade
Agora use a sua memória e compare com o que este “tudólogo” que está Chefe de Estado tem dito (ou silenciado) com o que tem acontecido no meu, e talvez no seu, País.

domingo, 11 de dezembro de 2022

o estado a que isto chegou: "'Embrutecidos' pelo futebol, já aceitamos tudo"

Guerra, cabaz alimentar a subir, 15 horas de filas nas urgências?
Estamos "habituados e dessensibilizados" para o novo normal.
Cheias em Lisboa: "Medina e Moedas são os vencedores da história".

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Ciganos Século XVII

Bem sei que a esmola, conforme nela foi o intento e caridade, terá seu merecimento. E quem a pudesse dar a todos por amor de Deus faria bem, quando isso não fosse ocasião de pecar, ou de não deixar o pecado, que o sol a todos alumia, porém quem não pode senão limitadamente, parece a deve antes de dar ao digno, que ao indigno, quais são quase todos estes ciganos, ladrões, salteadores, matadores, sem lei, nem temor dela: e elas ladras, feiticeiras, inquietadoras da honestidade das mulheres, e fazendo-as mal parir. Embaidoras que por dois vinténs, ou dois pães, não duvidarão trazer à vossa escrava ou criada a peçonha, e o mesmo solimão para matar seus senhores e enganar a simples donzela com nome de mezinha para o outro casar com ela. E ainda à casada, a título de o marido lhe querer bem, lhe dão com que os coitados vão ao outro mundo fazer a experiência da mezinha, ou ficam para nunca mais prestar. Então a descarga disto é que digam que o marido era um amancebado e andava toda a noite, e que disso morreu assim mal.

E sabe Deus, e suas próprias mulheres o como e azadas, a quantos isto cada dia acontece. E seja verdade que todos somos pecadores, estes o são por ofício e por carta, e dele se mantém. E os que introduziram em Portugal mil feitiçarias e males, que nele não se sabiam. Por onde eu aconselharia a todo o homem que evitasse o falar qualquer coisa sua com esta gente, nem ainda zombando ou com achaque de boa dita, muito mais cautelosamente e com mais rigor que com um ferido de peste, e falo de ciência certa. E é de notar que se um nosso Português vai ser morador em outro Reino, em poucos anos logo fala a língua desse Reino, e seus filhos já nela e em tudo o mais como naturais mesmo da terra. E esta gente com haver tantos centos de anos que Espanha os agasalhou, que quase eles mesmos não sabem de que nação ou reino procedem, porque sendo Gregos que se vieram fugindo dos Turcos, se fazem Egípcios ou Gitanos. E pelo contrário, e sendo Caldeus, como diz Jacobo Filipo Bergomate no seu livro, Supplementum chronicarum, que de certos povos chamados Zíngaros se saíram a encher toda a Europa; porém que nenhuns os consentem mais de três dias, pela subtileza de seus furtos, e que por essa causa os Venezianos, e os terem por suspeitos, os lançaram de todas as suas terras, e que nunca deixaram a sua língua Caldeia, que deve ser a que lhe ouvimos falar, e parece são estes de Portugal. Os quais dos Zíngaros se chamam Ciganos, que é o mesmo. E o não perderem nunca a sua língua, não foi por certo para nela se lerem e usarem dos livros católicos, ou de ciências e artes que trouxessem boas, senão para melhor inteligência de suas más artes, latrocínios, e embelecos, ou enganos, porque usando tudo isto com usam por ofício os não possamos entender. E nós tão cegos e descuidados, que ninguém atenta nisto: falo dos que governam, que o poderão remediar, e vendo-o e palpando-o cada dia e cada hora a nossas portas e dentro de nossas próprias casas passam por isso. E não sei como os conselheiros dos Reis e os que governam as Repúblicas desvelando-se tanto em novas pragmáticas sobre ninharias, não buscam remédio a coisa tão importante como fora não estar Portugal, e Espanha toda, criando em suas entranhas estas lombrigas, ou digo víboras que o estão roendo de contínuo por todas as partes de seu todo. Agasalhando-os Portugal, vindo perseguidos dos Turcos, usam tão mal desse agasalho e benefício.

E pudera isso ter muito bom remédio, embarcando-os divididos para o Brasil e Angola e outras nossas conquistas, e agora para a nova povoação do Maranhão poucos a poucos em cada navio que fosse, e se iriam acabando de sair do reino, ou deles estes mãos costumes: e quando isso não parecesse, fazendo-os viver dentro no meio das cidades repartidos pelo Reino, vedando-lhes o uso do trajo e da linguagem, e o sair fora das cidades e vilas. O que é muito importante e mais essencial é obrigando-os a ofícios com tenda sua, ou obreiros nas alheias. E que não fossem ferreiros, que só usam a fim de fazer gazuas e instrumentos de roubar. E a elas o mesmo a ofícios, ou vender em tendas, ou pelas ruas, e outros exercícios com o que, ou outros remédios, se lhes atalhasse o furtar e outros malefícios. E o pedir esmola que aos pobres se deve necessitados (que há muitos nossos naturais) e não a eles que podem bem com trabalhar remediar sua vida. Pois a verdadeira caridade deve começar por nós mesmos e pelos mais chegados nossos.
(Miguel Leitão de Andrada in «Miscelânea», 1629)
                                                                                

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Marcelo e os Ciganos


Sobre os ciganos

A desinformação chegou a Belém e Marcelo debitou fake news com ar pomposo. 
A Casa Civil está uma lástima e é de temer o pior. (Jose Magalhaes)