O realizador italiano Nani Moretti ficou famoso pela frase “Por favor, diga alguma coisa de esquerda!”. No Congresso do PS, não teria sido suficiente. Seria preciso
acrescentar uma palavra. O que os socialistas pedem hoje em dia é outra coisa: “Por favor, diga alguma coisa de extrema-esquerda!”.
Quando derem por isso, o PCP e o BE vão perceber que deixaram de ser necessários — a contestação a Bruxelas e aos horrores do capitalismo será
toda feita pelos socialistas. Querem ver que o plano é mesmo esse? (por Miguel Pinheiro no Observador )
O que é hoje o PS, segundo resumo de António Costa no fim do congresso socialista? É tudo, e mais o seu contrário. O PS é
contra a Europa, mas continua a ser pela Europa. Critica o euro, mas não quer sair do euro. Dá prioridade ao consumo interno, mas também às exportações. É “optimista”,
mas vê “dificuldades”. É pela “mudança”, mas quer “estabilidade”. Praticou sistematicamente “reversões” de políticas, mas quer acabar com as
“reversões” de políticas (pelo menos, no caso do previsto “Programa Qualifica”). É pelo “confronto”, mas através do “diálogo”. Está
ao lado do PCP e do BE, comungando na mesma intensa “vontade de mudança”, mas é, com muita tranquilidade burguesa, um partido “social democrata moderado”. (por Rui Ramos no Observador )
Costa nunca saiu da CML. Olha para o país, para os seus parceiros e opositores como se tudo isto fosse aquele mundo pequeno – em que ele é grande – da autarquia.
O resto é óbvio e nessa mesma escala: um misto de esperteza, descaramento e fuga para a frente. Quando as coisas correrem mal o Governo vai gritar contra a UE (um dos adquiridos deste congresso foi a “voz
grossa” na Europa!), como se fosse um qualquer autarca a mandar vir com Lisboa. Esperteza das espertezas, Costa vai procurar amarrar a oposição em sucessivas votações contra as sanções
(ainda vamos ver o executivo a desfilar no 1.º de Dezembro embrulhadinho na bandeira!) Depois virá o momento EGEAC da eleição directa dos presidentes das comissões de coordenação
regional…
E foi este PS, ideologica e programaticamente miniaturizado, que se viu neste congresso. Mas, como bem sabiam muitos dos presentes, algures no futuro, haverá um outro congresso,
em que a questão que agora foi dada como encerrada voltará de novo. Até lá experimente-se fazer o exercício e perguntar: como estaria hoje Portugal caso Costa fosse
capaz de negociar fora do mundo a que se habituou na CML? (por Helena Matos no Observador )
O que se percebeu no congresso foi que os dirigentes socialistas parecem ter aceitado que não voltarão a ganhar maiorias absolutas e que, como tal, a lógica de poder
e de alianças mais à esquerda é para preservar no futuro. Assim, mais do que o rígido PCP, o BE sai deste congresso reforçado na sua influência e com a certeza de que, mais cedo ou
mais tarde, integrará um governo PS. Catarina Martins tem razões para sorrir.
Em segundo, o outro lado do espelho da aproximação à esquerda é o proporcional afastamento do PS face às políticas europeias. A resposta do
deputado João Galamba à discordância de Francisco Assis – “o nosso partido não se chama partido europeísta, chama-se Partido Socialista” – não deixou margem
para dúvidas. (por Alexandre Homem Cristo no Observador)
Ainda que poucos se arrisquem a verbalizá-lo publicamente no actual contexto – as críticas leais e frontais de Francisco Assis ficam como o momento alto deste Congresso
do PS – muitos estarão conscientes de que esta é uma estratégia perigosa a médio e longo prazo. Por via da “geringonça”, o PS perde o principal argumento de quatro décadas
para fundamentar o voto útil à esquerda. Pior: perde esse argumento depois de um mau resultado eleitoral.
De agora em diante, BE e PCP podem credivelmente apelar ao voto com o objectivo de empurrar um futuro Governo ainda mais para a esquerda, ao mesmo tempo que o eleitorado moderado passa
a ter a certeza que votar PS serve para viabilizar o acesso da extrema-esquerda ao poder.
A entrega de sectores estratégicos como os transportes e a educação à extrema-esquerda aí estão para o demonstrar.
Neste contexto, a ovação dos congressistas ao ministro da Educação por concretizar objectivos de longa data de Mário Nogueira, do PCP e do BE é sintomática. No Congresso da “geringonça”, a marca da
radicalização à esquerda do PS esteve assim bem presente, confirmando uma estratégia de alto risco para o partido e para o país. (por André Azevedo Alves no Observador )
Este Congresso dito do Partido Socialista não foi excepção. E escrevo “dito do Partido Socialista” porque, na verdade, aquela
reunião mais pareceu um congresso das esquerdas unidas, como aquele que há três anos se realizou na Aula Magna, em Lisboa.
Quem, há meia dúzia de anos, dissesse que um congresso do PS haveria de ovacionar alguém que aconselha que se rasgue o Tratado Orçamental
ou aplaudir a culpabilização da moeda única para os nossos problemas estruturais, seria rapidamente apelidado de louco. Mas foi isso que aconteceu, com a ironia acrescida de ter ali muitos dos que há
cinco ou quinze anos aplaudiram com a mesma convicção a criação do Tratado Orçamental e a vitória que representou para o país a entrada no primeiro pelotão do euro, ainda
por cima pela mão de um governo socialista.
O que faltou explicar é como é que estas políticas de tendência liberal nos negócios convivem com a agenda restante do governo,
capturada pelo PCP, Bloco de Esquerda e suas clientelas sindicais e corporativas. Mas isso não era matéria porque podia estragar a festa congressista. Tratava-se ali de celebrar a Geringonça. E isso foi
conseguido em pleno. O país segue já amanhã. (por Paulo Ferreira no Observador )
É preciso saber ler os silêncios do poder. Foi um congresso de auto-justificação bem pensado. Justificou-se para agradar às
suas hostes e conseguiu. Repetiu coisas que muita gente em casa também terá gostado de ouvir. A política portuguesa também precisava de uma dose disto. Mas não disse uma palavra que pudesse
maçar alguém. E isso é preocupante. Foi apenas uma celebração, só com dois momentos altos: a participação especial de Pacheco Pereira e o discurso de Francisco Assis.
Foi poucochinho. (por Vítor Matos no Observador )