Oração de Sapiência do Ten-Cor Brandão Ferreira na Homenagem aos Combatentes:
“Estes homens, nos tempos de lutas e
de crises, tomam as velhas armas da Pátria, e vão, dormindo mal, com
marchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater
e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para
que nós conservemos o nosso descanso opulento.
Estes homens são o povo, e são os
que nos defendem”.
Acabo de ler um trecho de “O Povo”,
de Eça de Queiroz.
Bom dia a todos.
Os meus agradecimentos por me
dispensarem uns minutos da vossa atenção.
A Constituição da República
Portuguesa (CR), apesar de ser a mais extensa que tivemos, desde 1822, não
encontrou espaço nos seus 296 artigos e sete revisões, para referir uma única
vez a palavra “Nação”- a Nação dos Portugueses.
Já relativamente à palavra “Pátria”,
a Constituição é mais pródiga: invoca-a, nada mais, nada menos, do que uma vez,
mais concretamente no seu artigo 276, e cito “A defesa da Pátria é direito e
dever fundamental de todos os portugueses”!
É sabido que a defesa da Pátria não
se faz apenas de armas na mão; essa defesa pode e deve, estender-se a todas as
áreas da actividade humana.
Mas convém não esquecer que a defesa
armada é o último argumento, que se faz em extremo e pode implicar o sacrifício
de bens, sangue e vida.
E, ao ter-se abandonado o Serviço
Militar Obrigatório, parece que a defesa da Pátria – esse dever e direito
fundamental, segundo a Constituição, ficou direito de todos e dever só de
alguns…
A Lei de Defesa Nacional e das
Forças Armadas, por sua vez, continua omissa sobre a “Nação”, mas já fala duas
vezes em Pátria; no seu artigo 9º repete a fórmula da Constituição; e no Art.º
22 afirma perentoriamente que, “será assegurada de forma permanente a
preparação do País, designadamente das Forças Armadas para a defesa da Pátria”
(atenção, eu só estou a dizer o que está lá escrito, não confundir com o que se
tem feito…).
Ora haver Nação sem Pátria é curto;
mas haver Pátria sem Nação, é impossível!…
Porém, não havendo aparentemente,
Nação, o Estado, que é justamente a Nação politicamente organizada,
representará, então, quem ou o quê?
Ora se o Estado não representar a
Nação, não pode sentir a Pátria como sua, tão pouco a entender.
Portugal é, todavia, uma Nação
coesa, seguramente desde o tempo do esclarecido Rei, o Senhor D. Dinis; com as
mais antigas fronteiras estáveis do mundo, mau grado o esbulho pendente de
Olivença; formou um Estado Nacional Português, desde o tempo do preclaro Rei,
Senhor D. João II e ganhou consciência que era uma Pátria, senão antes,
garantidamente, depois de Camões ter escrito os Lusíadas!
E Camões – que também foi um
combatente - não se esqueceu de, neles, referir a Nação – fêlo, até, por sete
vezes – e não foi avaro em relação à Pátria já que a evoca em 35 ocasiões!
E a obra de Luís Vaz – cuja morte
neste dia também evocamos - foi-lhe tão superior e transcendente, que ele
próprio se enganou ao dizer, pressentindo o fim, que “morria com a Pátria”,
antevendo a ocupação castelhana.
O certo é que, a Nação que já era
Pátria, sobreviveu aos 60 anos da Coroa Dual Filipina e passou a viver de vida
própria, qual fénix renascida!
O que atrás se disse representa,
pois, a dissonância existente entre o Estado e a Nação, que é a razão por que
nós nos reunimos aqui, desde há cerca de 25 anos, a comemorar o Dia de
Portugal, honrando os combatentes, enquanto as figuras que ocupam
transitoriamente as cadeiras do Poder – Poder que está hoje, maioritariamente,
fora do país – estão sempre noutro lado. E quanto aos combatentes por norma,
aos costumes dizem nada.
Essa é também a razão pela qual as
Forças Armadas só voltaram a integrar as comemorações oficiais do feriado
nacional, há 10 anos, depois delas terem estado arredadas cerca de três
décadas.
E caros compatriotas aqui presentes,
não somos nós que estamos mal; “eles” é que se afastaram do trilho certo. Do
trilho do Dever, da Honra, do Patriotismo, do amor a Portugal.
Esta cerimónia, singela mas muito digna, realizou-se sempre sem se pedir um
ceitil que fosse, ao Estado e junto a um monumento, em memória dos combatentes,
em que nada se pediu, também, ao Estado – aliás, em várias alturas, teve que
ser construído com a oposição desse mesmo Estado.
Parece que a frase, entre muitas, célebre, do grande português e militar, que
foi o Tenente- Coronel Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque, de que
“Portugal é obra de soldados” passou a estar na moda.
Mas estando ou não, na moda, essa frase foi sempre uma realidade, pois sem
soldados – isto é, sem combatentes – não haveria território, a tal “nesga de
terra debruada de mar”, no dizer de Torga; não haveria população; não haveria
matriz cultural; não haveria segurança, não haveria Justiça, não haveria
Bem-Estar, não haveria liberdade.
E quem permitiu e fez isto? Pois
foram os soldados, os combatentes, o tal povo, do Eça.
Onde se devem individualizar as mães e as mulheres, pois foram elas que sempre
aguentaram a rectaguarda!
Por isso todos nós devemos estar
orgulhosos dos nossos combatentes; de quem disse “pronto”, quando chegou a
hora; quem lutou quando foi preciso lutar; quem não virou a cara aos
sacrifícios; quem não desertou do combate ou, pior ainda, quem traiu a terra
que lhe serviu de berço, a terra dos seus pais.
Porque, desgraçadamente, desses
sempre os houve e ainda há.
Também deles falam “os Lusíadas” e
não há estátuas, nomes de ruas, séries de televisão, condecorações, prémios,
branqueamento da História, etc., que possa apagar essa realidade da memória
colectiva da Nação.
Pelo menos enquanto restar um
português com algum saber, vergonha na cara, coluna direita e bem - querer na
alma!
Caros compatriotas, o combate não terminou com aqueles que hoje homenageamos e
desenganem-se aqueles que julgam que não teremos de guerrear, novamente, ou que
o terrorismo é apenas uma expressão de lunáticos contemporâneos, já que a sua
origem remonta ao século XI, ao “velho da montanha” e à seita dos hashashin e,
modernamente, em termos de terrorismo de Estado, à Revolução Francesa de 1789.
Temos que nos preparar para os
combates do futuro.
Os nossos antepassados não andaram a
trabalhar, a lutar, a edificar e a expandir o nosso país, desde 1128, para
agora estarmos a alienar ao desbarato, a nossa soberania, a nossa
nacionalidade, a nossa cultura (onde a língua tem um lugar de destaque), as
nossas gentes, o nosso património e a nossa terra.
Para ficarmos escravos de dívidas
perpétuas e enredados em leis alheias, iberismos serôdios ou federalismos
espúrios; sermos, eventualmente, submersos por vagas de estranhos, cujas
matrizes culturais não estejamos aptos a integrar, sem perdermos a nossa; e a
caminhar para, a breve trecho, não haver um Km2 de território em mãos portuguesas.
E, outrossim, por nos estarmos a
suicidar colectivamente, por via de excesso de emigração, imigração, leis de
naturalização erradas, quebra demográfica gravíssima e corrupção galopante. Finalmente
para sermos reféns de organizações sem rosto oficial, de carácter
internacionalista e mais ao menos secretas ou discretas, que ninguém elegeu e
que transformam, só por si, a Democracia e a Justiça, numa ficção.
E em vez das cinco Quinas passarmos
a ter como símbolo o “Deus Mamon”.
Temos de olhar à nossa volta,
acordar e reagir!
É que, como disse o tão mal citado
Fernando Pessoa, “só existem Nações, não existe Humanidade”.
Caros compatriotas, esta cerimónia
destina-se à exaltação da memória dos combatentes, nossos antepassados ou
contemporâneos, mas destina-se também, aos que hoje vivem e a quem compete
receber e passar o testemunho.
Pois deles é o futuro e, por isso, a
quem compete refletir sobre o exemplo dos que caíram ou se sacrificaram no
campo, que tem de ser da Honra, enquanto as imperfeições da natureza humana não
permitem a erradicação da guerra e outras imoralidades, na eterna luta entre o
Bem e o Mal.
Devemos, deste modo, curvar-nos,
reverentes e obrigados, junto aos nomes daqueles que estão gravados nos muros
deste memorial, que combateram nas últimas das centenas de campanhas
ultramarinas que realizámos nos últimos seis séculos (não foram seis décadas…),
fazendo jus ao Padre António Vieira que um dia disse que “Deus deu aos
portugueses um berço estreito para nascer e o mundo inteiro para morrer”.
Evoco em nome de todos, aquele cujo
nome figurou primeiro neste local: o do Subchefe da polícia Aniceto do Rosário,
morto em combate, que na iminência de um ataque dos indianos disse ao
Governador, “Parta V. Exª descansado que eu não deixarei ficar mal a bandeira
portuguesa”.
E não posso deixar de dizer, com
todas as fibras do meu ser, que eles lutaram bem, competente e vitoriosamente,
numa guerra justa, em termos humanos e que, infelizmente terminou de forma
trágica e não merecida.
Nesta luta fizemos frente à maior
campanha montada a nível global e mundial, contra a Nação dos Portugueses,
desde a Guerra da Restauração.
Nela chegámos a manter 230.000
homens em pé de guerra, em quatro continentes e três oceanos, a combater
durante 14 anos, em três teatros de operações enormes, distantes entre si e a
então Metrópole – que era a base logística principal – por milhares de
quilómetros, sem fazer uso de alianças militares e sem generais ou almirantes
importados, o que já não sucedia desde Alcácer-Quibir.
Usufruindo de uma logística notável
– basta comparar com o que se passou com a nossa participação na I Guerra
Mundial – que já não conseguíamos montar tão bem, desde que enviámos a terceira
Armada, à Índia, comandada pelo João da Nova, em 1501!
Abro um parêntesis para destacar a
Marinha Mercante, neste esforço logístico, sem a qual não poderíamos ter
reagido rapidamente nem sustentado tão longo período de operações.
Hoje, dos 70.000 navios mercantes
existentes no mundo, apenas uma dezena são de armadores portugueses e ostentam
o pavilhão nacional. Nem meio batalhão conseguem transportar…
Nesta campanha só não conseguimos
resistir à miserável invasão de Goa, Damão e Diu, pela União Indiana, em 1961,
pela enorme desproporção de forças em presença e pela usual hipocrisia das
relações internacionais. Mesmo assim ainda conseguimos pô-la em sentido durante
mais de 10 anos – não foi coisa de somenos.
Nova Deli usou o “direito da força”
mas nunca teve a força do Direito, nem da Razão!
Toda esta acção, a todos os títulos
magnífica, não encontra paralelo em nenhuma campanha contemporânea, mas foi
apenas corolário daquilo que o escritor americano, James Michener, disse de nós
e cito: “Nesses anos quando um soldado português desembarcava de um dos barcos
da sua nação para servir num forte de Moçambique, ou em Malaca, ou nos
estreitos de Java, já previa, durante o seu tempo de serviço, três cercos,
durante os quais comeria erva e beberia urina. Estes defensores portugueses
contribuíram para uma das mais corajosas resistências da História do Mundo”.
A estes se devem juntar todos
aqueles e seus descendentes, que desde a tarde de S. Mamede, acompanharam o
nosso pai, Afonso Henriques, e têm mantido o seu legado até aos dias de hoje.
Lembrar o seu exemplo e preservar a
sua memória, é tarefa ingente de todos os bons portugueses, pois tal deixou de
ser feito na escola, na generalidade dos “média” e quase desapareceu do
discurso político a não ser em frases de circunstância, ditas sem convicção.
Em 1582, esse grande patriota que
foi Ciprião Figueiredo de Vasconcellos, Governador das Ilhas dos Açores,
escreveu ao monarca Habsburgo, que reinava em Madrid e atirou-lhe, “Antes
morrer livres que em paz sujeitos” e logo acrescentou, “nem eu darei aos
moradores destas ilhas outro conselho, porque um morrer bem é viver
perpetuamente”.
Afirmamos hoje, o mesmo, com
Esperança e acrisolada Fé, em que consigamos manter a estamina necessária para
preservar a nossa terra, Portugal, livre e independente.
Lembro que um combatente só dá baixa
para a cova!
Caros compatriotas, vou terminar com
a melhor homenagem que podemos fazer a quem combateu e, porventura, morreu na
defesa da terra dos nossos antepassados, e por tudo o que tal representa,
incluindo o de que o seu sacrifício não possa ser considerado em vão.
Vamos todos em conjunto e em
uníssono, darmos um grande e empolgante viva a Portugal.
Viva Portugal.
VIVA PORTUGAL!
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador