O que distingue a Grécia da Venezuela? A crise
humanitária. Ou seja, a Grécia vive, no dizer de muitos
jornalistas portugueses, uma crise humanitária. Já a Venezuela, com as
prateleiras vazias, presos políticos e uma criminalidade elevadíssima, que por
sinal afecta e muito a comunidade portuguesa, vai vivendo com
algumas dificuldades,
Quanto a Portugal, é mediaticamente
inquestionável que desde 2011 tem vivido em crise humanitária.
…e que confirmadamente levará os
portugueses a dormir debaixo das pontes ou quiçá a fazê-los regressar às grutas
do vale de Alcântara e da Pedreira da Serafina,
A este grupo de sensíveis juntou-se
agora a legião da sensibilidade
social, conceito mais ou menos vago que na
prática se traduz por usar um linguarejar que não dizendo nada sobre a vida é
um verdadeiro livre-trânsito político-mediático para a bondade.
A austeridade. Aqui está uma palavra a pronunciar como se se estivesse
sofrendo de uma nevralgia. Declarar-se anti-austeridade tornou-se uma
espécie de pensamento mágico. Nesta luta contra a austeridade
os anti-austeritários aproximam-se muito na sua fé daqueles criadores
de produtos virtuais do mundo financeiro que prometem ganhos extraordinários sobre
o nada: um homem sonha, anuncia e o dinheiro aparece.
Curiosamente este grupo é o mesmo do tempo
em que a austeridade
foi revolucionária mas isso aconteceu apenas nos governos de Vasco Gonçalves
que, desde a sua tomada de posse em Junho de 1974 até que deixou o
poder no Verão de 1975, nunca se cansou de falar da necessidade de Portugal e
os portugueses adoptarem uma política de austeridade.
A fome. Antes da presente crise humanitária, aquela a que a
austeridade decidida por pessoas sem sensibilidade social nos conduziu, a fome
era uma referência nos romances neo-realistas e nos versos da
Internacional cantada por comunistas e socialistas nos seus encontros magnos.
No caso dos comunistas o assunto é
mesmo sério pois não se limitam a cantar “De pé, ó vítimas da fome!”
As desigualdades. Mal se pronuncia ou escuta a palavra “desigualdade” deve
fazer-se uma expressão de indignação. Faz parte da ordem mediática que a
desigualdade é uma chaga social, ou seja uma espécie de ferida cruelmente
aberta na sociedade. Não fosse esse iníquo prego da desigualdade cravado no
mundo e nós seríamos todos iguais.
…a condenação obrigatória das
desigualdades não se limita a transformar o comunismo uma espécie de paraíso
perdido da sociedade. Pressupõe também que a desigualdade só existe porque uns
se apropriam do que é dos outros. E mais perversamente ainda que os ricos são
ricos porque ficaram com aquilo que é dos pobres.
Por responder fica sempre esta pergunta:
se formos todos igualmente pobres já não há problema? (in Pequeno dicionário do
nosso tempo mediático por Helena Matos no Observador)