domingo, 22 de fevereiro de 2015

dicionário do nosso tempo mediático

O que distingue a Grécia da Venezuela? A crise humanitária. Ou seja, a Grécia vive, no dizer de muitos jornalistas portugueses, uma crise humanitária. Já a Venezuela, com as prateleiras vazias, presos políticos e uma criminalidade elevadíssima, que por sinal afecta e muito a comunidade portuguesa, vai vivendo com algumas dificuldades, 
Quanto a Portugal, é mediaticamente inquestionável que desde 2011 tem vivido em crise humanitária.
…e que confirmadamente levará os portugueses a dormir debaixo das pontes ou quiçá a fazê-los regressar às grutas do vale de Alcântara e da Pedreira da Serafina,

A este grupo de sensíveis juntou-se agora a legião da sensibilidade social, conceito mais ou menos vago que na prática se traduz por usar um linguarejar que não dizendo nada sobre a vida é um verdadeiro livre-trânsito político-mediático para a bondade.

A austeridade. Aqui está uma palavra a pronunciar como se se estivesse sofrendo de uma nevralgia. Declarar-se anti-austeridade tornou-se uma espécie de pensamento mágico. Nesta luta contra a austeridade os anti-austeritários aproximam-se muito na sua fé daqueles criadores de produtos virtuais do mundo financeiro que prometem ganhos extraordinários sobre o nada: um homem sonha, anuncia e o dinheiro aparece.
Curiosamente este grupo é o mesmo do tempo em que a austeridade foi revolucionária mas isso aconteceu apenas nos governos de Vasco Gonçalves que, desde a sua tomada de posse em Junho de 1974 até que deixou o poder no Verão de 1975, nunca se cansou de falar da necessidade de Portugal e os portugueses adoptarem uma política de austeridade.

A fome. Antes da presente crise humanitária, aquela a que a austeridade decidida por pessoas sem sensibilidade social nos conduziu, a fome era uma referência nos romances neo-realistas e nos versos da Internacional cantada por comunistas e socialistas nos seus encontros magnos.
No caso dos comunistas o assunto é mesmo sério pois não se limitam a cantar “De pé, ó vítimas da fome!” 

As desigualdades. Mal se pronuncia ou escuta a palavra “desigualdade” deve fazer-se uma expressão de indignação. Faz parte da ordem mediática que a desigualdade é uma chaga social, ou seja uma espécie de ferida cruelmente aberta na sociedade. Não fosse esse iníquo prego da desigualdade cravado no mundo e nós seríamos todos iguais.
…a condenação obrigatória das desigualdades não se limita a transformar o comunismo uma espécie de paraíso perdido da sociedade. Pressupõe também que a desigualdade só existe porque uns se apropriam do que é dos outros. E mais perversamente ainda que os ricos são ricos porque ficaram com aquilo que é dos pobres.

Por responder fica sempre esta pergunta: se formos todos igualmente pobres já não há problema? (in Pequeno dicionário do nosso tempo mediático por Helena Matos no Observador)