As recentes declarações de Volodymyr Zelensky, apelando à participação de Portugal na reconstrução da Ucrânia, são um bom pretexto para recordar um capítulo que o País parece ter esquecido depressa: a imigração ucraniana dos anos 90 que deixou saudades e uma terceira geração já portuguesa
Entre 1995 e 1999, começaram a chegar a Portugal milhares de ucranianos, integrando avaga pós-soviética do Leste europeu. Vieram para trabalhar — e trabalharam onde era preciso: construção civil, obras públicas e limpezas. Vieram também para aguentar o que muitos portugueses já não aceitavam: salários baixos, subempreitadas abusivas, precariedade e atrasos na regularização.
Portugal precisava de mão-de-obra e tinha então uma legislação mais permissiva do que outros países europeus. A combinação foi explosiva: os homens nos estaleiros, as mulheres nas limpezas, muitos em regime informal, quase todos invisíveis ao discurso público. Não houve indignações televisivas nem histerias identitárias. Houve, isso sim, trabalho duro e silêncio.
Convém lembrar um dado frequentemente omitido: o perfil educacional da comunidade ucraniana era elevado. Engenheiros, técnicos, médicos e professores aceitaram tarefas manuais como porta de entrada num país que lhes oferecia segurança e rendimento, ainda que à custa da desqualificação profissional.
Apesar disso, começaram cedo a organizar-se: associações culturais, redes de apoio, ligação à Embaixada, frequência do ensino português e integração sem alarido.
Os números mais expressivos viriam já nos anos 2000 — em 2002, os ucranianos chegaram a ser a maior comunidade estrangeira em Portugal —, mas foi no final dos anos 90 que tudo começou. Foi aí que se testou, na prática, a capacidade de integração, a disciplina laboral e o contributo real de uma imigração que não pediu privilégios, apenas espaço para trabalhar.
Vale a pena recordar isto hoje, quando se fala de imigração de forma abstracta e moralista. A experiência ucraniana mostra que integração não se decreta, constrói-se: com trabalho, regras claras e exigência mútua. E lembra também que Portugal já beneficiou — e muito — de fluxos migratórios bem-sucedidos, sem propaganda nem romantizações.
Talvez, antes de grandes discursos sobre “Europa unida” e reconstruções futuras, fosse prudente reaprender as lições do passado recente. Porque a memória curta costuma ser péssima conselheira — sobretudo em política.


