sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

A “Greve Geral”: anatomia de uma grevinha ideológica!

Há palavras que sobrevivem por inércia. “Greve geral” é uma delas. Em Portugal, há muito que deixou de descrever um facto e passou a designar uma encenação. A de hoje não foi excepção — foi, aliás,
uma dupla falácia.
Primeiro, porque greves não se medem por manifestações, nem por planos fechados de televisão, nem por directos inflamados onde meia dúzia de bandeiras vermelhas fingem representar o país inteiro. Se assim fosse, a RTP — onde a greve “conta” sempre mais, por definição administrativa — seria o termómetro da economia nacional. Mesmo aí, o que houve foi mais fumo do que fogo.
Segundo, porque de “geral” não teve absolutamente nada. O país real — o dos serviços, do comércio, da restauração, da logística, das pequenas empresas, do trabalho privado — continuou, mal ou bem, a funcionar. Não parou. Não colapsou. Não tremeu. O que parou foi o país residual do velho neo-realismo político-sindical, esse que vive de uma memória gloriosa que já não corresponde a nada de existente.
Os tempos mudaram, mas alguns recusam-se a perceber.
Nos anos 80 ou 90, uma greve nos transportes pesava. Hoje pesa menos — não apenas porque houve municipalização, mas porque o mundo mudou. Houve autocarros onde não houve metro. Houve circulação onde antes tudo parava. Houve tele-trabalho, esse detalhe incómodo que baralha qualquer contabilidade militante. Eu próprio andei de autocarro. Um escândalo, para quem precisava de um país imobilizado para fingir força.
No essencial, foi uma greve quase exclusiva da administração pública: escolas públicas, hospitais públicos, alguns serviços de atendimento ao público. Exactamente aqueles sectores que nada têm a ver com a alteração da lei laboral privada, mas tudo têm a ver com a fidelidade ideológica a uma certa esquerda estatizada, corporativa e sindicalizada.
Ou seja: greve contra o quê?
Contra quem?
Com que legitimidade?
O paradoxo é delicioso: faz-se greve “geral” em nome de trabalhadores que não aderiram, contra leis que não os afectam directamente, liderada por estruturas sindicais que já não representam a maioria de ninguém.
E aqui convém dizer o que raramente se diz: os protagonistas desta grevezinha são, em larga medida, os mesmos sectores políticos e sindicais derrotados a 25 de Novembro de 1975 — derrotados então no plano histórico e derrotados agora no plano eleitoral. São os que perderam deputados, influência e centralidade nas duas últimas eleições legislativas, e que continuam a confundir rua com país e ruído com poder. 
O sindicalismo que sobrevive neste formato não é social: é ideológico. Não representa trabalhadores; representa causas. Não defende o trabalho; defende uma visão do Estado herdada do PREC e mal disfarçada desde então. Vive da administração pública porque fora dela deixou de ter base social.
Se o objectivo era fazer tremer o governo, lamento informar: o governo não tremeu, não tremelicou, nem sequer espirrou
Amanhã é outro dia. O país acordará com os mesmos problemas estruturais, mas também com a mesma evidência: esta esquerda sindical já não tem capacidade de bloqueio nacional.
Chamar “greve geral” a isto é como chamar “levantamento popular” a uma reunião de condomínio mal frequentada.
O país mudou.
Os trabalhadores mudaram.
A economia mudou.
Só o guião ficou velho.
E isso, convenhamos, não é motivo para greve. É motivo para revisão — da linguagem, da estratégia e, sobretudo, da relação com a realidade.
Aqui, no ReVisões, chamamos as coisas pelo nome: não foi uma greve geral. Foi uma grevinha.
E como todas as grevinhas ideológicas, terminou com o habitual comunicado triunfal… e com o país a seguir em frente.
Amanhã é outro dia.
Para eles, infelizmente, também.
Chamaram-lhe “greve geral”.
Foi, no máximo, uma grevinha ideológica.
O país privado trabalhou.
Os serviços continuaram.
Houve autocarros, houve tele-trabalho, houve vida real.
Parou apenas o costume: funcionários públicos sindicalizados, herdeiros políticos dos derrotados de 25 de Novembro, hoje reduzidos a ruído mediático depois de sucessivas derrotas eleitorais.