terça-feira, 19 de maio de 2020

Reforma Agrária: 40 anos


"Entre 1975 e 1976, o essencial do Alentejo agrário produtivo mudou de mãos. Mais de um milhão de hectares e explorações agrícolas foram ocupados pelos trabalhadores organizados em sindicatos e unidades colectivas de produção. Tudo se passou sob a orientação do Partido Comunista Português, com o apoio das unidades militares da região, do governo, dos funcionários do Ministério da Agricultura e de outros grupos políticos de menor importância. Foi um processo revolucionário rápido que usou de intimidação e terror, mas não, graças à presença das forças armadas, de violência física", escreve António Barreto na introdução.
A Anatomia de Uma Revolução conta-nos como o Partido Comunista se apoderou do Alentejo. A revolução alentejana é um fruto da revolução de Abril, e o território alentejano abeirou-se do estatuto de um estado dentro do Estado. Esta é uma das teses do livro.
Outra é de que a massa do proletariado alentejano, chamada sazonalmente a semear ou ceifar nos latifúndios e nas herdades, nunca tinha estado interessada na posse ou propriedade da terra; a suma e única prioridade desses assalariados miseráveis consistia na segurança do emprego e portanto do salário.
O slogan sempre repetido – «a terra a quem a trabalha» – não fazia para eles grande sentido. A solução encontrada pelos sindicatos comunistas foi a aplicação do modelo colectivista das Unidades Colectivas de Produção (UCP), uma réplica fiel do kolkhoz soviético. Graças ao crédito abundantemente concedido pelo Estado, as UCP garantiam as duas coisas – emprego permanente e salário todo o ano. Este é apenas um dos aspectos sob os quais a cooperação do Estado foi vital; sem ela, a revolução alentejana não teria sido possível. (…)
Durante os governos de Vasco Gonçalves, não só as ocupações foram legalizadas, como foram legisladas as expropriações e as nacionalizações. Afirma Barreto: "Tudo foi feito na prática, e quase tudo na lei, com vista a uma expropriação geral da terra, ou da sua maior parte."
Os responsáveis máximos não se coibiram de incentivar a apropriação de terras privadas. "Os principais actos revolucionários nascem no governo, nas assembleias militares e nos quartéis." Algumas leis de 1975 sobre a reforma agrária assemelham-se a "panfletos políticos" em que a população e os trabalhadores alentejanos são exortados a dar livre curso às suas iniciativas.

Não menos importante, os revolucionários estavam seguros do apoio político do MFA bem como da protecção militar, no terreno, das operações de ocupação. Por vezes verificou-se até muito mais do que protecção: o quartel de Vendas Novas, cujos soldados ostentavam nas boinas a efígie de Che Guevara, chegou a lançar no terreno "brigadas de ocupação" ou "brigadas da reforma agrária".
Outra das teses do livro é a de que, ao contrário do mito que se espalhou, não foram ocupados latifúndios incultos ou terras abandonadas à natureza selvagem. Estas não tiveram procura; dariam muito trabalho a arrotear e a cultivar.
O ministro da Agricultura de Vasco Gonçalves, Oliveira Baptista (26.3.75 a 19.9.75), distribuiu conselhos e indicou critérios: "«Deve-se começar pelas melhores terras»"; deve-se liquidar "«o poder social e económico dos grandes proprietários»"; deve-se ficar com tudo: "«as árvores e meios de produção, todo o equipamento que lá estiver»"; deve-se "«acabar com o latifúndio e com o pequeno agricultor. Não podemos admitir que a reforma agrária faça novos pequenos patrões»".
Temos de voltar ao silêncio que se fez sobre o livro de António Barreto aquando da sua publicação em 1987. Muito possivelmente, o livro desagradou tanto à esquerda como à direita. (…)
A Anatomia de Uma Revolução conta uma história que é de nós todos, dos que estiveram contra e dos que estiveram a favor da deriva revolucionária desencadeada pelo 25 de Abril; dos que participaram e dos que observaram. É tempo de ficarmos a saber mais exactamente como é que tudo se passou no Alentejo de 1974 a 1976.