quarta-feira, 17 de setembro de 2025

e se este alegado jornalista nos enganou?

O plano começa a dar frutos. A tendência de crescimento eleitoral da Aliança Democrática parece estar a consolidar-se nos sucessivos estudos de opinião que vão sendo publicados. Os inquiridos nestas sondagens vão fazendo uma avaliação aparentemente positiva dos quase 10 meses de Governo e a popularidade de Luís Montenegro vai resistindo mesmo depois de o Executivo ter somado a sua dose de casos e casinhos. Em sentido inverso, Pedro Nuno Santos e André Ventura vão mostrando os primeiros sinais de algum desgaste, um dado que não passa despercebido a quem aconselha o primeiro-ministro. 

(Miguel Santos Carrapatoso no Observador em 17 jan. 2025, 23:0515)

No núcleo mais próximo de Luís Montenegro, ninguém quer entrar em grandes euforias ou dar especial importância a sondagens. Mas a verdade é que havia alguma frustração latente com os estudos de opinião. Ainda que confirmassem a popularidade de Montenegro, estes inquéritos iam apontando para um empate técnico entre a AD e o PS (ou até para uma ligeira vantagem dos socialistas) e para uma estabilização do Chega nas intenções de voto mesmo depois de o Governo ter feito aprovar uma série de medidas teoricamente populares de redistribuição de rendimentos e apesar da preocupação declarada da coligação de direita em recuperar bandeiras como a segurança e a imigração.

Paulatinamente, e na perspetiva dos homens do primeiro-ministro, claro, a tenaz que encurtava o espaço político da AD parece estar a perder força. As contas públicas mantêm-se em ordem (e o centro gosta disso), os mais jovens (bastião eleitoral da AD) estão a conseguir comprar mais casas (cerca de 17 mil já o fizeram com as novas regras fiscais e o IRS Jovem vai começar a produzir resultados este ano) e os mais velhos (o suporte político do PS) começam agora a perceber que o fantasma da troika e do corte das pensões está definitivamente exorcizado.

Não menos importante, o binómio segurança/imigração tornou-se tema dominante de todos os debates, o que tem permitido ao Governo falar diretamente para o eleitorado do Chega e ensaiar uma separação das águas à direita. “Foi como sopa no mel. E André Ventura está a ficar sem chão e sem narrativa”, argumenta um elemento do Governo. “O nosso discurso cria um embaraço a André Ventura. Ocupámos um espaço que ele estava a tentar ocupar”, concorda um destacado dirigente social-democrata.

A partir do Governo a ordem é para dramatizar e tentar provar que Pedro Nuno Santos (pela inação e pela omissão) está tão errado como André Ventura (pela agenda radical). Nem o "oito" do PS, nem o "oitenta"do Chega, vai dizendo Montenegro

Nem o “oito” do PS, nem o “oitenta”do Chega

É quase uma questão de aritmética eleitoral: nas últimas eleições legislativas, houve 1 milhão de votos à direita da Aliança Democrática; o Chega terá uma base de fiéis na ordem dos 10%, que dificilmente será recuperável, mas existem ainda muitos eleitores por convencer nesse espaço político. “Fechámos o campo de batalha ao centro. Temos de crescer à direita“, antecipa um influente social-democrata.

No último debate quinzenal, aliás, Montenegro e o líder do Chega chocaram precisamente nessa frente, com os dois a tentarem levar a água ao seu moinho: Ventura a sugerir que o Governo é frouxo no combate à insegurança e à imigração ilegal; e o social-democrata a tentar colocar-se rigorosamente ao centro nesta discussão. Nem o “oito” do PS, nem o “oitenta” do Chega, disse Montenegro. “Os dois partidos da oposição estão a apanhar bonés“, rematou Hugo Soares, líder parlamentar do PSD e braço direito do primeiro-ministro, no mesmo debate.

Os sociais-democratas estão convencidos de que estão a conseguir ganhar este debate. Por um lado, acreditam que Pedro Nuno Santos não tem conseguido encontrar um discurso coerente e que as posições relativamente recuadas dos socialistas (ambíguas e contraditórias em alguns casos) estão a prejudicar o próprio partido. O PSD entende que só precisa de continuar a colar o PS ao radicalismo e a uma alegada agenda anti-ordem e anti-polícia para manter a pressão sobre Pedro Nuno.

Aliás, o mesmo debate quinzenal ficou marcado pelo momento de indignação de Montenegro (amplamente partilhado nas redes sociais dos apoiantes da AD). Pedro Nuno Santos teve uma evidente preocupação de ignorar por completo a operação do Martim Moniz ou a questão da imigração para não ser arrastado para o campo de batalha onde a AD parece sentir-se mais confortável. Mas uma referência quase lateral às alterações às regras de acesso de cidadãos estrangeiros ao SNS foi o suficiente para que o primeiro-ministro acusasse, aos gritos, o líder socialista de querer “pactuar e promover redes criminosas na Saúde”.

Ao mesmo tempo, acredita-se no quartel-general do PSD, um discurso assertivo sobre os dois temas, com medidas e ações concretas no terreno, pode fazer recuperar parte do eleitorado que fugiu para o Chega — partido que durante muito tempo esteve sozinho a falar sobre as questões da criminalidade e da imigração — e que agora se pode sentir incomodado com os exageros retóricos e programáticos de André Ventura. A ordem, portanto, é para dramatizar e tentar provar que o secretário-geral do PS (pela inação) está tão errado como André Ventura (pela agenda radical).

O barómetro da Fundação Francisco Manuel dos Santos teve conclusões: 75% dos respondentes acham que seria positivo para Portugal que houvesse uma política de imigração mais regulada; 68% defendem que os imigrantes contribuem para o aumento da criminalidade; 54% acham que os imigrantes prejudicam os portugueses no mercado de trabalho; e 61% dos inquiridos consideram que o número de imigrantes do subcontinente indiano deve diminuir

AD com um sinal verdadeiramente animador

Claro que nada disto se faz sem erros e dores de crescimento. A conferência de imprensa das oito da noite que tanta tinta fez correr, a operação policial no Martim Moniz que tantas críticas provocou, a equiparação que Luís Montenegro fez entre a manifestação “Não nos encostem à parede”, que juntou dezenas de milhares de pessoas, e a vigília organizada pelo Chega (que reuniu umas centenas de pessoas e uns quantos elementos do partido nacionalista Ergue-te), tudo foi aproveitado pela oposição para acusar o Governo de ter mergulhado numa deriva autoritária. Para o PSD/CDS, importa garantir que o centro moderado não se assusta e, para isso, é preciso equilíbrio e alguma contenção. É Montenegro a andar no arame.

O último inquérito da Pitagórica para a TVI, CNN, TSF e JN trouxe indicadores positivos para a Aliança Democrática, reforçaram os estudos internos do Governo e mostraram Montenegro finalmente a descolar do PS (ligeiramente, mas a descolar). Além de subir cerca de quatro pontos percentuais nas intenções de voto em relação às últimas legislativas, 62% dos inquiridos disseram aprovar a atuação do Governo e 53% das pessoas que participaram na sondagem fizeram uma avaliação positiva do desempenho do primeiro-ministro, num estudo conduzido entre os dias 28 de dezembro de 2024 e 5 de janeiro de 2025, já depois da controversa operação policial no Martim Moniz.

Em sentido inverso, nesta mesma sondagem, o PS e o Chega descem 1 e 2 pontos percentuais em relação às últimas eleições legislativas. Não é exatamente um trambolhão, mas Pedro Nuno Santos e André Ventura também recolheram avaliações maioritariamente negativas (59 e 69%, respetivamente) e, no caso do socialista, existe um dado particularmente relevante: 37% dos inquiridos que dizem ter votado no PS fazem uma avaliação má ou muito má de Pedro Nuno Santos, o que indicia algum desencanto das bases do partido com o líder eleito em dezembro de 2023.

Todas as sondagens devem ser lidas com especial cautela. Esta, por maioria de razões, também: qualquer estudo deste género é apenas a fotografia do momento; mesmo que sejam antecipadas, falta muito tempo para haver eleições legislativas; a margem de erro do inquérito não é irrelevante; e a amostra desta sondagem é relativamente curta (400 pessoas). Todavia, parece consolidar uma tendência verificada noutras sondagens — e isso não deve ser politicamente desprezado.

Em cima disto, existe outro indicador que é relevante para as pretensões de Luís Montenegro. A Aliança Democrática tem vantagem sobre o PS em quase todo o território (falha o Sul do país e as ilhas) e em todos os segmentos eleitorais à exceção de dois, os mais pobres e os mais velhos, que continuam a preferir os socialistas. Mas aqui há uma variação importante: a distância entre a Aliança Democrática e o PS junto dos eleitores que têm mais de 55 é praticamente residual, o que pode indiciar uma mudança de comportamento deste eleitorado.

reconciliação com os eleitores mais velhos foi uma necessidade assumida por Luís Montenegro. Nas últimas legislativas, e mesmo tendo vencido as eleições — à tangente, mas venceu —, a Aliança Democrática foi copiosamente derrotada pelo PS neste segmento eleitoral, confirmando um divórcio entre os eleitores mais velhos e o espaço de centro-direita que se arrasta desde o tempo da troika.

Daí para cá, o Governo tem feito um esforço concertado para “desmistificar” a ideia de que a direita penaliza os reformados quando chega ao poder, seja através do aumento das pensões, seja através do reforçou do Complemento Solidário para Idosos ou, por exemplo, da gratuitidade dos medicamentos para os beneficiários deste apoio social.

Entre os dirigentes sociais-democratas ouvidos pelo Observador há quem entenda que recuperar o discurso e a agenda sobre segurança e imigração também pode ser determinante para merecer a confiança dos eleitores mais velhos — aqueles que, por norma, mais temem o aumento da criminalidade e que mais dificuldades têm em interagir com uma comunidade que vai sofrendo a pressão da imigração. Ora, se o PS falhar em ter um discurso para estas pessoas, também isso será uma oportunidade para a AD disputar a grande base eleitoral dos socialistas.

O binómio segurança/imigração tornou-se tema dominante de todos os debates, o que tem permitido ao Governo falar diretamente para o eleitorado do Chega e ensaiar uma separação das águas à direita. "André Ventura está a ficar sem chão e sem narrativa", argumenta um elemento do Governo. "O nosso discurso cria um embaraço a André Ventura. Ocupámos um espaço que ele estava a tentar ocupar", concorda um destacado dirigente social-democrata

Segurança e imigração: sondagens reforçam caminho do Governo

Esta sondagem da Pitagórica mediu ainda outras duas questões relevantes para o debate atual. Os inquiridos foram desafiados a dizer se concordavam ou não com a operação policial conduzida no Martim Moniz e se consideravam terem ou não existido motivações racistas naquela rusga. As conclusões foram cristalinas: 57% das pessoas disseram concordar ou concordar totalmente com aquela operação (contra apenas 27% que disseram discordar ou discordar totalmente); e 65% rejeitaram retirar qualquer leitura racista daquela operação contra apenas 20% dos que disseram ver motivações raciais na rusga.

Uma leitura mais fina dos dados permite retirar outras conclusões complementares. Por exemplo, os inquiridos que dizem ter votado no PS nas últimas eleições legislativas estão rigorosamente divididos nas duas questões. Metade afirmou discordar da operação policial e considerou-a racista; outra metade defendeu-a e afastou qualquer tipo de motivação racial. É mais um indício, um indício objetivo neste caso, de que os socialistas continuam com dificuldades em encontrar uma posição fechada sobre estas duas matérias.

Por comparação, esta divisão não existe de todo entre os eleitores da Aliança Democrática e do Chega, que aprovam por larga maioria a operação no Martim Moniz e discordam radicalmente da ideia de que tenha sido racista. À esquerda, um fenómeno igualmente interessante: o PCP, que tem um eleitorado tipicamente mais conservador e mais envelhecido, está igualmente dividido nestas duas questões; já aqueles que dizem ter votado no Bloco de Esquerda nas últimas legislativas são, de longe, os que mais condenam esta operação e aqueles que mais vincadamente afirmam considerá-la racista.

Se os critérios forem o género, a idade e a classe social também é possível encontrar algumas chaves de leitura. São os homens, os mais pobres e os que estão em plena idade ativa (34 a 55  anos) que mais aprovam esta operação policial. E são também os homens desta faixa etária que mais rejeitam a ideia de que esta operação tenha sido racista — não há grandes variações nesta matéria em função da classe social dos inquiridos.

Não é um sinal irrelevante. Instalou-se a perceção de que a força de André Ventura residia no eleitorado mais jovem e com baixas qualificações, mas não é exatamente assim. Como explicaram os investigadores João Cancela e Pedro Magalhães a partir de uma sondagem conduzida à boca das urnas pelo ICS/ULisboa, o Iscte e a GfK Metris, “este grupo representa apenas 7% do total de votantes, tornando este resultado insuficiente para explicar o crescimento do partido”. A força do Chega reside noutro segmento eleitoral.

Na verdade, nas últimas eleições legislativas, que resultaram numa eleição histórica de 50 deputados, o Chega foi particularmente forte precisamente junto dos homens nesta faixa etária e com menos qualificações — os mesmos que, na sondagem da Pitagórica, mais validaram a operação policial no Martim Moniz e refutaram com maior veemência a classificação de racismo. É uma interseção praticamente perfeita.

Voltando à sondagem da Pitagórica: 33% dos inquiridos que dizem ter votado no Chega fazem uma avaliação positiva da prestação de Luís Montenegro. André Ventura tem 21% de avaliações negativas ou muito negativas mesmo entre os seus eleitores.

Ao mesmo tempo foi divulgado um barómetro da Fundação Francisco Manuel dos Santos que reforça e amplia todos estes indicadores — com uma amostra bem mais expressiva, de mais de mil inquiridos. As conclusões são igualmente reveladoras: 75% dos respondentes acham que seria positivo para Portugal que houvesse uma política de imigração mais regulada; 68% defendem que os imigrantes contribuem para o aumento da criminalidade; 54% acham que os imigrantes prejudicam os portugueses no mercado de trabalho; e 61% dos inquiridos consideram que o número de imigrantes do subcontinente indiano deve diminuir.

Este estudo trouxe ainda uma outra conclusão muito relevante: “Existe entre os inquiridos um forte enviesamento (por excesso) na perceção do número de imigrantes em Portugal. Tal resultado revela-se particularmente relevante, uma vez que essa falsa perceção é também um forte preditor de atitudes mais desfavoráveis à imigração”. Ou seja, os portugueses sobrestimam o número de imigrantes existentes em Portugal e, consequentemente, o impacto dessa imigração e os seus eventuais riscos no e para o país.

Com base nas repostas dos inquiridos, o mesmo barómetro concluiu que, para os portugueses, o problema mais significativo que país tem enfrentado é precisamente a imigração. Só depois entram as questões relacionadas com o acesso à Saúde e à Habitação e, em quarto lugar, a “criminalidade, a violência e a segurança”. Mas os números não são lidos da mesma forma. A equipa de Luís Montenegro vai argumentando que está a governar para responder às reais preocupações dos portugueses. A oposição vai acusando o Governo de estar a agravar perceções e a definir políticas públicas com base em pressupostos errados.

Factualmente, a imigração aumentou de forma expressiva nos últimos anos, a criminalidade violenta e grupal aumentou 5,6% e 14,6%, respetivamente. Mas os relatórios oficiais não fazem qualquer correlação entre o aumento do número de imigrantes e o número de crimes, e a proporção de reclusos estrangeiros mantém-se estável.

Ao contrário de Ventura, Montenegro tem dito repetidamente que não existe uma relação direta entre o aumento do crime e o número de imigrantes, mas a falta de dados mais finos tem sido utilizada para acusar as autoridades oficiais de querem esconder a realidade do país — o líder do Chega disse isso mesmo esta semana, em entrevista à CNN.

No Parlamento, Luís Montenegro admitiu seguir a recomendação da Iniciativa Liberal e, ouvido o Conselho Superior de Segurança, passar a incluir a nacionalidade dos autores dos crimes nos Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI). “Pode ser útil à definição de políticas e condições operacionais das forças de segurança. Podemos e devemos ter essa discussão”, justificou o primeiro-ministro. A ideia foi rapidamente contestada pelos partidos mais à esquerda, mas tem tudo para fazer o seu caminho e marcar uma nova fase do debate político.