Junho a Setembro de 1975 são os meses da pluralidade de imprensa e a forma como o PCP directamente ou através dos sindicados por si controlados ou outros partidos e movimentos ainda mais radicais, acabou com a liberdade de imprensa. Este será o primeiro de 3 posts dedicados à ocupação da RR, do República e os saneamentos no Diário de Notícias. Foi uma estratégia de controle da informação e tentativa de tomar o poder por parte do PCP, ainda que no processo da RR, tenha sido ultrapassado por forças ainda mais radicais à sua esquerda.
Logo a 18 de Março, Correia Jesuíno, Ministro da Comunicação Social, antigo membro da comissão governativa de Angola, nomeia José Emílio da Silva, também ele um homem de confiança de Rosa Coutinho, militar do PCP, auto-apelidado de progressista e que mais tarde foi Ministro da Educação e Cultura nos IV e V Governos Provisórios de Vasco Gonçalves, talvez os mais terríveis que o País já conheceu.
Já em fevereiro, o “Radio Clube Português” e a maioria dos jornais diários tinham sido nacionalizados. Com a nacionalização da banca e dos seguros em 14 de março de 1975, grande parte dos jornais portugueses, que eram propriedade de bancos, também passaram para o setor público. Isso incluiu "O Século", "Diário Popular", "Jornal do Comércio", "O Comércio do Porto", "Diário de Lisboa", "Diário de Notícias" e o "Jornal de Notícias.
Nesta altura, apenas o “República”, ligado ao PS e o semanário “Expresso”, ambos em Lisboa, e o “Primeiro de Janeiro”, no Porto, e permaneciam privados. A estes vir-se iam a juntar os semanários “O Jornal”, assumidamente de esquerda não comunista e “O Tempo” de centro-direita. Mas nenhum deles tinha ainda a dimensão para ser considerado uma ameaça. Quer “O Diabo” e “O Dia” só apareceriam mais tarde, já depois do 25 de Novembro, tal como “O Diário” propriedade do PCP. Nas rádios, apenas a “Radio Renascença” se mantinha privada, mas nem por isso livre já que era controlada e manietada pelo PCP.
Na RR, segundo algumas fontes, a tensão terá começado logo a seguir ao 25 de Abril, quando alguns trabalhadores, não ficaram satisfeitos com a cobertura dada à chegada a Portugal de Mário Soares e Álvaro Cunhal, vindos de França.
A 19 de fevereiro a comissão de trabalhadores convoca uma greve que contou logo com o apoio do COPCON que enviou uma chaimite a alguns soldados que estacionaram em frente à sede na Rua Capelo. A emissão foi encerrada com a canção "Grândola, Vila Morena", logo após a leitura de um "manifesto ao povo português" onde os trabalhadores afirmavam sua determinação em continuar a luta contra os proprietários da estação.
Contudo, a greve não teve apoio unânime. Os funcionários da Renascença no Porto e os administrativos em Lisboa, acabaram por se distanciar das reivindicações dos grevistas do setor radiofónico. Essa cisão entre os trabalhadores, somada à saída dos sacerdotes que atuavam como garante dos valores cristãos na estação, fez com que a situação rapidamente se transformasse em uma luta ideológica pelo controle da emissora.
Depois de várias greves, vários saneamentos e de inúmeras discussões sobre se o modelo deveria ser autogestão, preferido pela Comissão de trabalhadores ou cogestão entre a Comissão de trabalhadores e o Patriarcado, que era o proprietário. Desde Março que o MFA tinha nomeado uma comissão mista para gerir a RR cujo objectivo era assegurar o cumprimento de uma orientação ideológica, compatível com a revolução socialista sem preocupações com a orientação católica da emissora.
Às 19h do dia 27 de Maio de 1975, 19 trabalhadores ocupam as instalações da RR, na Rua Capelo e na Buraca, com medo de que o governo devolvesse a gestão ao seu dono – o Patriarcado. Os restantes 80 trabalhadores que se recusam a apoiar o gesto, são saneados, expulsos das instalações e impedidos de entrar. A partir dai a emissora, perde a designação de Emissora Católica Portuguesa e apenas utilizando os emissores do sul e o estúdio de Lisboa, foca-se no apoio aos ideais revolucionários e da luta de classes. Os emissores do Norte e Centro, cuja ligação aos estúdios de Lisboa tinha sido cortada por funcionários afectos ao Patriarcado, esses, continuam a emissão normal gerida através do Porto, mantendo o espírito e programação da Emissora Católica Portuguesa. Esses funcionários viriam a ser presos pelo COPCON com uma acusação estapafúrdia de terem participado no 11 de Março.
Os noticiários da RR sulista e revolucionária eram agora centrados nas actividades do COPCON e no Otelo. É alias aos microfones desta emissora, que o mais tarde fundador das FP25 afirma: "Eu, às vezes, chego a pensar que a nossa inexperiência revolucionária, enfim, teria sido melhor se, em 25 de Abril de 1974 encostássemos à parede ou mandássemos para o Campo Pequeno umas centenas ou uns milhares de contra-revolucionários, eliminando-os à nascença. Tenho a impressão de que neste momento a contra-revolução já não existia, pelo menos por medo. Nós quisemos fazer uma revolução humanista, uma revolução de cravos, uma revolução muito bonita, e estamos agora com um esforço tremendo para a conseguir levar a cabo."
A 18 de junho, os partidos de extrema-esquerda que lideravam a ocupação convocam uma manifestação em frente ao Patriarcado, no Campo de Santana em apoio e solidariedade aos trabalhadores ocupadores. A UDP, o MES, a OCMLP, o PRP-BR, LUAR, a FSP e uma organização chamada Cristão pelo Socialismo (CPS). Esta última era mais uma bizarria nacional, inspirada no modelo Chileno nascido com Allende e liderada, por Luis e Conceição Moita também membros das Brigadas Revolucionárias, afirmavam que "...não é a fé em Jesus Cristo que pode separar o trabalhador cristão dos seus irmãos e companheiros no esmagamento e na exploração, já que o Evangelho convergente com a prática política de construir uma sociedade sem classes...". Sobre eles até D. António Ferreira Gomes dizia serem um grupo fora da Igreja. Como em quase todas as tentativas de controle de poder, o PCP não participava, para que se corresse mal não poder ser acusado de afrontar a Igreja Católica. Mas suficientemente próximo, através de alguns elementos do MDP/CDE para saltar para a liderança no caso de vitória. Como seria de esperar PS, PSD, CDS e PDC manifestam-se publicamente em apoio ao Patriarcado e à Igreja.
A esta manifestação, segue-se outra contramanifestação, convocada pelos padres nas suas paroquias e resulta em confrontos com mais de 38 feridos e mais de 1000 pessoas que tiveram de se refugiar dentro do Patriarcado. D. António Ribeiro, Cardeal-Patriarca de Lisboa que, liderou a evacuação, negociando extensivamente com o COPCON para que os católicos pudessem ser retirados em veículos cobertos, sem que fossem previamente identificados pelas forças militares. Curiosamente D. António Ribeiro, talvez imbuído do espírito de perdão, viria mais tarde a defender uma amnistia para Otelo Saraiva de Carvalho quando da sua prisão por liderar as FP25, mesmo que nunca se tenha preocupado com a dor e sofrimento das suas vítimas. Já antes o tinha feito quando demonstrou grande preocupação com a greve da fome dos membros do PRP-BR detidos, Isabel do Carmo e Carlos Antunes.
Como consequência da manifestação, o governo termina com a comissão de gestão conjunta, mas nem assim consegue acabar com a desocupação da RR sulista e revolucionária.
Entretanto de Roma vêm noticias que o Papa reza por Portugal " reza ao Altissimo para que a solidariedade fraterna possa encontrar uma solução rápida e justa para os problemas que se deparam à Igreja Católica em Portugal".
A 2 de Julho, o governo comunista decide entregar a RR de volta ao Patriarcado, no entanto a comissão de trabalhadores rejeita a decisão e diz colocar nas mãos da classe operária a decisão final. Em contradição, o Conselho da Revolução nomeia uma comissão administrativa até "nacionalização das frequências de radio e das empresas emissoras". A ocupação contínua na Rádio Renascença o que gerou grande desconforto nos sucessivos governos provisórios de Vasco Gonçalves. Mas em 19 de Setembro, Pinheiro de Azevedo é nomeado Primeiro Ministro de um governo onde apenas um dos ministros era assumidamente comunista. Ainda assim, a 30 de Setembro, o governo era incapaz de desocupar os estúdios devido à desobediência do COPCON, e por isso ordenou a destruição do emissor da Buraca através da colocação de uma bomba que o destruiu. Diante da dificuldade em manter forças militares no local, os emissores foram selados em 15 de Outubro. Contudo, a incapacidade de fazer cumprir as ordens levou o Conselho de Ministros e o Conselho da Revolução a uma reunião em 6 de novembro, onde decidiram por uma medida extrema para silenciar a estação: a colocação de explosivos nos emissores da Buraca, que ocorreu no dia seguinte. Foram precisas 2 bombas e 60 tropas paraquedistas. Este bombardeamento dos emissores resultou na desocupação posterior dos estúdios de Lisboa, pondo fim ao caso da Rádio Renascença. No entanto, esta só viria a ser entregue ao Patriarcado en Dezembro de 1976. Desde essa altura voltou a existir apenas uma RR - a Emissora Católica Portuguesa.
Durante mais de 15 anos a RR foi a única radio privada em Portugal, num panorama onde todas as emissoras eram controladas pelo estado. Mais que o António Sala e a Olga Cardoso, “A Vida Também Se Diz” do Padre Dâmaso ou a Bola Branca (2º edição), a RR foi um farol de qualidade e liberdade de informação, sem manipulações ou interferências governativas. Isso foi a obra de todos, mas o esforço de um homem – Magalhães Crespo que geriu a emissora na crise de 1975 com enorme coragem e sensatez e a recuperou e levou à liderança nacional nos anos seguintes.
( Manuel Castelo-Branco no facebook )