A “maioria silenciosa” e o desmantelamento do MFP-PP
Eventualmente existiu algum diálogo com a Presidência República e com os elementos spinolistas da Junta de Salvação Nacional, sobretudo com o coronel Galvão de Melo- maior entusiasta desta demonstração de força- relativamente às pressupostas movimentações da manifestação da “maioria silenciosa” (Rodrigues, 2010). Estes contactos eram tidos através do embaixador Nunes Barata, assessor diplomático do presidente da república, bem como comunicações com o major Monge e o capitão António Ramos, ajudante-de-campo do general Spínola. Já no domínio partidário, deve destacar-se uma alegada reunião organizada pelo Partido Liberal- apoiante incondicional da manifestação, tendo sido o centro político e grande coordenador civil da mesma-, no Edifício Franjinhas em Lisboa, onde terão estado representados para além deste partido: PPD, CDS, MFP-PP, PTDP, MPP e o Partido Social Democrata Independente (PSDI) (Rodrigues, 2010: 495). Ainda assim, Freitas do Amaral (1995: 242) nega o envolvimento do CDS em qualquer movimentação preparatória da manifestação, referindo apenas um contacto oficioso de dois elementos do Partido do Progresso numa fase já bastante adiantada do processo preparatório.
É nas movimentações prévias à planeada demonstração pública de 28 de setembro que é possível confirmar, pelo menos, uma conduta cooperante do MFP-PP no que concerne à organização desta manifestação, mormente naquele que terá sido o seu ensaio geral: a corrida de touros da Liga de Antigos Combatentes realizada a 26 de setembro. O Banco Espírito Santo terá financiado a compra de bilhetes para a referida corrida de touros, tendo sido distribuídos não só pelo PL, mas também por militantes do MFP-PP.
Parte dos militantes do MFP-PP presentes na tourada tomariam também parte nos confrontos com militantes de extrema-esquerda, sobretudo da UDP, que tiveram lugar nas imediações do Campo Pequeno após o final do evento. Desde a fase organizativa embrionária a comissão organizadora tem disponíveis fundos do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa por ordem direta dos seus donos, não só em nome da comissão organizadora e de elementos do PL, mas também em contas de dirigentes do MFP-PP (Marchi, 2020: 135). De resto, os documentos do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa alegadamente comprovam uma generosa concessão de crédito ao Partido do Progresso que de 6 a 30 de setembro terá recebido dois créditos de 750 contos cada um, numa conta em nome de JCD, um dirigente do MFP-PP, com morada na sede do partido, que supostamente serve de financiamento para a impressão do cartaz da “maioria silenciosa” (Marchi, 2020).
Assim, ainda que de forma velada- não há qualquer dirigente do partido na comissão organizadora- é possível confirmar pelo menos um comportamento colaboracionista para com a organização da manifestação. Não obstante, o comportamento do MFP-PP no 28 de Setembro não deixa de ser complexo, na medida em que politicamente há uma discordância unânime no partido relativamente à realização da manifestação, esgotando todas as vias comunicacionais para persuadir todos os atores políticos envolvidos a pelo menos suspender a realização da manifestação. O MFP-PP tem uma leitura estratégica muito assertiva relativamente à falta de oportunidade da manifestação, e às consequências políticas funestas que dela poderiam advir, preferindo resguardar o partido com vista à participação no processo eleitoral para a assembleia constituinte. Desta feita, recusa “qualquer tipo de actuação que possa revelar oportunismo aventureiro, imediatismo ou total irrealismo”, reprovando “quaisquer atitudes que ameacem o processo de normalização da vida política portuguesa”, rematando de forma lacónica: “Com o sentimento fazem-se revoltas. Com o pensamento fazem-se revoluções”. Só na madrugada de 27 para 28 o MFP-PP torna público o seu apoio com um comunicado que, segundo António Maria Pereira (1976: 113), foi fruto de diligências de Spínola que exortou os dirigentes a tomarem posição. A sede partidária do Porto é saqueada logo na noite de 27 de setembro e os móveis e documentos incendiados na Praça da Liberdade, o que, porventura, terá despoletado a conclusão política aos dirigentes de que apenas lhes restaria avançar. Logo nessa noite são levadas a cabo as primeiras prisões com o beneplácito de Costa Gomes ao encargo da COPCON (Cervelló, 1993: 208). Pese embora este posicionamento do MFP-PP, o PCP escolhe o Partido do Progresso como principal alvo da sua “inventona”, atribuindo-lhe um papel central na busca por armamento para o suposto golpe de estado das direitas (Marchi, 2020: 135).
Desta forma, fracassando a manifestação da “maioria silenciosa” prevista para 28 de Setembro, não hánenhum processo de ilegalização do MFP-Partido do Progresso, mas antes de desmantelamento do partido. Isto é, não houve nenhum procedimento legal, mas sim a utilização do dispositivo militar do estado para o aprisionamento político de todos os principais dirigentes do partido- com o consequente exílio dos que se puseram em fuga do país- e a invasão e posterior assalto dos espaços ocupados pelo MFP-PP, bem como a destruição da grande maioria da sua documentação (Ramos, 2016: 63). Assim, tendo sido efetivadas as detenções na madrugada de 27 para 28 de setembro e ao longo dos dias seguintes, pode, oficiosamente, assinalar-se a extinção do MFP-PP com a ocupação da sua sede nacional, no dia 2 de outubro de 1974 por um piquete da COPCON, com sindicalistas de esquerda simultaneamente a invadirem as instalações da distribuidora da Tribuna Popular e do jornal Bandarra, queimando todas as cópias. A perseguição e ilegalização são também prova da relevância política do MFP-PP e um determinado estatuto de dominância nesta área política, na medida em que outros partidos não foram alvo de represálias de tal ordem: o PTDP não foi alvo de qualquer repressão, sendo que as direções políticas do PDC e MPP escapam praticam incólumes à onda de prisões pós-28 de setembro (Marchi, 2020). No caso do PL, dado ter sido o grande protagonista político-partidário da manifestação, não poderia ter como resistir ou evitar as consequências político-militares.
(Rafael Oliveira Dias – O Percurso do Movimento Federalista Português – Partido do Progresso)