Em cerca de seis meses, pelo menos oito dos 27 Estados-membros da União Europeia terão suspendido o espaço Schengen, fechando e controlando as suas fronteiras internas no coração da UE. Até ao final do ano, Alemanha, França, Países Baixos e Itália implementarão controlos fronteiriços, não apenas para fora, mas dentro do continente. Os dois primeiros justificam-no com o aumento da pressão migratória e de passagens irregulares. A Noruega, extracomunitária, fala em “ameaça a infraestruturas críticas”. A Dinamarca, mais fina, refere o “tráfico de armas” oriundo do conflito na Ucrânia. A Áustria, com involuntário sentido de humor, fechou fronteiras evocando “cibersegurança e espionagem”.
Nas vésperas do último Conselho Europeu, Ursula von der Leyen, a mais centrista das figuras do PPE (Partido Popular Europeu), abriu pela primeira vez a porta a políticas de retorno que incluíssem estações (hubs) fora do espaço da União. Nas conclusões do Conselho, que reúne os chefes de Governo de todos os 27, vem explicitamente referida a necessidade de encontrar novas formas de combate à imigração ilegal “por todos os meios possíveis”, além do Pacto de Asilo e Migrações aprovado este ano.No Conselho Europeu, como o meu caro leitor bem sabe, não se sentam somente primeiros-ministros de direita ou de extrema-direita.
A leste, longe de nós mas não menos europeus por isso, os polacos sofrem com a instrumentalização dos fluxos migratórios que Vladimir Putin utiliza como arma de guerra. Do outro lado do Atlântico, Justin Trudeau anunciou há uma semana que o Canadá “reduzirá significativamente o seu número de imigrantes nos próximos dois anos”. “Temos de fazer com que o sistema funcione bem para todos os canadianos”, afirmou Trudeau, um liberal de esquerda, a um ano de eleições. Entre 2015 e 2023, nos seus primeiros oito anos no poder, entraram 2 milhões e 685 mil imigrantes no Canadá.
Nos Estados Unidos da América, a imigração é uma preocupação para 61% do eleitorado que escolherá o sucessor de Joe Biden daqui a dias. Kamala Harris, que está próxima da canonização no espaço público português, defende a suspensão do direito de asilo em momentos de fluxos migratórios elevados.
Qualquer análise objetiva, séria e que vá além da superficialidade de um ‘reel’ entende que o debate sobre a imigração está a mudar nas democracias liberais. Numa conferência recente, José Manuel Durão Barroso, o mais cosmopolita dos presidentes de Comissão deste século, assumia mesmo: “há limites ao multiculturalismo”. “Temos de reconhecer que hoje, democraticamente, os nossos cidadãos não querem muita imigração, sobretudo de países, de culturas e religiões com problemas de integração”.
Pela Europa fora, governos de direita, centro-direita e centro-esquerda comprovam-no. Por cá, poderemos continuar, qual Robinson Crusoé, entretidos na nossa ilha como se nada além de água nos rodeasse, construindo cabanas com colmo, ignorando o mundo à nossa volta, já que é tão mais fácil ser eremita do que ser cidadão.
Chamem, se quiserem, “extrema-direita” à realidade. Mas não se admirem depois se a realidade chamar pela extrema-direita.
(Sebastião Bugalho)