O testamento do Rei D. Afonso II de Portugal, escrito em Coimbra e datado de 27 de Junho de 1214. Será o mais antigo documento régio escrito em português [galego-português]
Eno nome de Deus. Eu, rei Dom Afonso, pela graça de Deus rei de Portugal, seendo são e salvo, temente o dia de mià morte, a saúde de mià alma e a proe de mià molher, rainha Dona Orraca, e de meus filhos e de meus vassalos e de todo meu reino, fiz mià manda, per que, depós mià morte, mià molher e meus filhos e meus vassalos e meu reino e todas aquelas cousas que Deus mi deu em poder ’stem em paz e em folgança.
Primeiramente, mando que meu filho, infante Dom Sancho, que hei da rainha Dona Orraca, haja meu reino enteiramente e em paz. E, se este for morto sem sémel, o maior filho que houver da rainha Dona Orraca haja meu reino enteiramente e em paz. E, se filho barom nom houvermos, a maior filha que houvermos haja-o. E, se no tempo de mià morte meu filho ou mià filha que dever a reinar nom houver revora, seja em poder da rainha sua madre, e meu reino seja em poder da rainha e de meus vassalos atá quando haja revora. E, se eu for morto, rogo o apostóligo come padre e senhor (e beijo a terra ante seus pees) que el receba em sa comenda e so seu defendimento a rainha e meus filhos e o reino. E, se eu e a rainha formos mortos, rogo-lhi e prego-lhi que os meus filhos e o reino sejam em sa comenda. E mando, da dézima dos moravidiis e dos dinheiros que mi remaserom da parte de meu padre, que som em Alcobaça, e do outr’ haver móvil que i posermos pora esta dézima, que seja partido pelas mãos do arcebispo de Brágaa e do arcebispo de Santiago e do bispo do Porto e de Lisbõa e de Coimbra e de Viseu e de Lamego e da Idanha e d’ Évora e de Tui e do tesoureiro de Brágaa. E outrossi mando, das dézimas das luitosas e das armas e doutras dézimas que eu tenho apartadas em tesouros per meu reino, que eles as departam assi como virem por guisado. E mando que o abade d’ Alcobaça lhis dé aquesta dézima que el tem ou tever, e eles as departam segundo Deus, como virem por dereito. E mando que a rainha Dona Orraca haja a meiadade de todas aquelas cousas móvils que eu houver a mià morte (exetes aquestas dézimas que mando dar por mià alma e as outras que tenho em voontade por dar por mià alma e no-nas v[é]er a dar). E mando que, se a rainha morrer em mià vida, que de todo meu haver móvil haja ende a meiadade da outra meiadade soltem ende primeiramente todas miás dêvidas. E, do que remaser, façam ende três partes. E as duas partes hajam meus filhos e miàs filhas, e departam-se ontr’ eles igualmente. E da terceira o arcebispo de Brágaa e o arcebispo de Santiago e o bispo do Porto e o de Lisbõa e o de Coimbra e o de Viseu e o d’ Évora façam desta guisa Que, uquer que eu moira, quer em meu reino quer fora de meu reino, façam aduzer meu corpo per miàs custas a Alcobaça. E mando que dem - a meu senhor o papa III mil moravidiis; - a Alcobaça II mil moravidiis por meu aniversário; - a Santa Maria de Rocamador II mil moravidiis por meu aniversário; - a Santiago de Galiza II mil CCC moravidiis por meu aniversário; - ao cabídoo da see da Idanha mil moravidiis por meu aniversário; - ao moesteiro de Sam Jurge D moravidiis por meu aniversário; - ao moesteiro de Sam Vicente de Lisbõa D moravidiis por meu aniversário; E rogo que cada úu destes aniversários façam sempre no dia de mià morte, e façam três comemorações em três partes do ano, e cada dia façam cantar úa missa por mià alma por sempre. E, se eu em mià vida der estes aniversários, mando que orem por mi come por vivo atá em mià morte, e, depós mià morte, façam estes aniversários e estas comemorações assi como suso é nomeado, assi como fazem enos outros logares u já dei meus aniversários.
E mando que dem ao maestre e aos freires d’ Évora D [= quinhentos] moravidiis por mià alma; e ao comendador e aos freires de Palmela D [= quinhentos] moravidiis por mià alma. E mando que o que eu der daquesta manda em mià vida, que no-no busque nengúu depois mià morte.
E o que remaser daquesta mià terça, mando que seja partido igualmente em cinque partes. Das quaes úa dem a Alcobaça (u mando jeitar meu corpo), a outra ao moesteiro de Santa Cruz, a terceira aos Templeiros, a quarta aos Hespitaleiros, a quinta dem por mià alma o arcebispo de Brágaa e o arcebispo de Santiago e os cinque bispos que suso nomeamos, segundo Deus; e dem ende aos homées d’ órdim de mià casa e aos leigos a que eu nom galardoei seu serviço assi com’ eles virem por guisado.
E as outras duas partes de toda mià meiadade sejam departidas igualmente ontre meus filhos e miàs filhas que houver da rainha Dona Orraca assi como suso é dito. E mando que aqueste haver dos meus filhos que o tenham aquestes dous arcebispos com aquestes cinque bispos atá quando hajam revora. E a dia de mià morte, se algúus de meus filhos houverem revora, hajam seu haver; e dos que revora nom houverem, mando que lhis tenham seu haver atá quando hajam revora
E mando que quenquer que tenha meu tesouro ou meus tesouros a dia de mià morte, que os dé a departir a aquestes dous arcebispos e aquestes cinco bispos, assi como suso é nomeado. E mando ainda que, se s’ assúar todos nom podérem ou nom quiserem, ou descórdia for ontr’ aquestes a que eu mando departir aquestas dézimas suso nomeadas, valha aquilo que mandarem os chus muitos per nombro. Outrossi mando, daqueles que mià manda ham a departir ou todas aquelas cousas que suso som nomeadas, que, se todos nom se podérem assúar ou nom quiserem, ou descórdia for ontr’ eles, valha aquilo que mandarem os chus muitos per nombro. Mando ainda que a rainha e meu filho ou mià filha que no meu logar houver a reinar, se a mià morte houver revora, e meus vassalos e o abade d’ Alcobaça sem demorança e sem contradita lhis dem toda mià meiadade e todas as dézimas e as outras cousas suso nomeadas, e eles as departam assi como suso é nomeado. E, se a mià morte meu filho ou mià filha que no meu logar houver a reinar nom houver revora, mando empero que aquestes arcebispos e aquestes bispos departam todas aquestas dézimas e todas aquestas outras cousas assi como suso é nomeado; e a rainha e meus vassalos e o abade sem demorança e sem contradita lhis dem toda mià meiadade e todas as dézimas e as outras cousas que teverem, assi como suso é dito. E, se dar nom lhas quiserem, rogo os arcebispos e os bispos, com’ eu em eles confio, que eles o demandem pelo apostóligo e per si. E rogo e prego meu senhor o apostóligo (e beijo a terra ante seus pees) que pela sa santa piadade faça aquesta mià manda seer comprida e aguardada, que nengúu nom haja poder de víir contra ela. E, se a dia de mià morte meu filho ou mià filha que no meu logar houver a reinar nom houver revora, mando a aqueles cavaleiros que os castelos téem de mi enas terras que de mi téem os meus ricos-homées, que os dem a esses meus ricos-homées que essas terras teverem; e os meus ricos-homées dê-nos a meu filho ou a mià filha que no meu logar houver a reinar quando houver revora, assi como os dariam a mi. E mandei fazer treze cartas com aquesta, tal úa como a outra, que per elas toda mià manda seja comprida: das quaes tem úa o arcebispo de Brágaa, a outra o arcebispo de Santiago, a terceira o arcebispo de Toledo, a quarta o bispo do Porto, a quinta o de Lisbõa, a sexta o de Coimbra, a sétima o d’ Évora, a oitava o de Viseu, a nona o maestre do Templo, a décima o prior do Hespital, a undécima o prior de Santa Cruz, a duodécima o abade d’ Alcobaça, a terça-décima faço eu guardar em mià reposte.
E forom feitas em Coimbra, quatro dias por andar de junho, era millesima ducentesima quinquagesima secunda