terça-feira, 18 de novembro de 2025

Obrigado, “retornados”!

Cinquenta anos depois, se calhar já podemos dizer o óbvio: a esquerda tratou meio milhão de portugueses com mais desumanidade do que agora acusa a direita, toda ela, de lidar com os estrangeiros.
(Nuno Gonçalo Poças)

Chamaram-lhe “Ponte Aérea”, mas foi uma espécie de “aterragem forçada” de vidas inteiras. Há cinquenta anos terminava a maior operação de evacuação aérea da história portuguesa, com cerca de meio milhão de portugueses, caídos literalmente do céu, a chegar à capital de um império que então se extinguia.
Vieram essencialmente de Angola e Moçambique com pouco, e muitos com quase nada. Um cartão de embarque, uma pasta com documentos, caixotes com os seus bens que nunca mais viram, filhos ao colo e vidas às costas. Tinham nomes, histórias, profissões, raízes, cultura e vistas largas. Perderam quase tudo. Ganharam um nome: retornados.

Portugal, então recém-saído da ditadura e mergulhado na anarquia revolucionária de um PREC sem bússola, olhou para este meio milhão de concidadãos com desconfiança e hostilidade. Tinham sido colonos, diziam. Eram ricos, exploradores, “os do Ultramar”. Fascistas, naturalmente. Foram um dos inimigos fáceis da sede revolucionária, com a agravante de não terem sequer mecanismos para reagir.

Mas o mais notável em toda a história do regresso dos nacionais a Lisboa não foi a hostilidade com que foram recebidos, mas o que os próprios fizeram com a ostracização a que foram sujeitos. Não se tornaram reféns da vitimização, deitaram mãos à obra. Os portugueses que vinham das colónias sabiam que o mundo acaba num horizonte largo, e não ao fundo do Chiado. Trouxeram hábitos, capacidade de trabalho, cultura de gestão, formas de estar, até palavras novas. Abriram cafés, empresas, oficinas, fábricas. Reconstruíram-se contra a cultura hegemónica, sempre marxista, e fizeram-no sem pedir favores; sem subsídios, sem planos estratégicos. Fizeram o que faz quem não tem alternativa, que é sempre a maior das forças motoras, num país que estava habituado a não fazer nada ou a fazer muito pouco.
Os “retornados” continuam a ser uma ferida mal contada da nossa memória colectiva. Nunca houve um esforço sério para integrar a sua história na narrativa do regime. Continuam, talvez, a ser estranhos num país de gente amorfa. Talvez porque nos expõem as fraquezas, e exibem, sem contemplações, a desumanidade do progressismo revolucionário.
Cinquenta anos depois, se calhar já podemos dizer o óbvio: a esquerda tratou meio milhão de portugueses com mais desumanidade do que agora acusa a direita, toda ela, de lidar com os estrangeiros. Em Portugal, onde toda a gente aprecia apregoar a sua bondade e gosta de se compadecer de tudo, subsiste um manto de silêncio oficial e oficioso para quem perdeu tudo e recomeçou tudo. Talvez porque não aceitaram o rótulo de vítimas, a única categoria que um país injectado de vulgata marxista aprecia.

O 50.º aniversário da Ponte Aérea devia ser um marco nacional. Não para reabrir feridas, mas para agradecer. Para dizer obrigado a quem chegou com medo e ainda assim teve coragem. Obrigado a quem foi insultado e não desistiu. Obrigado a quem transformou a sua desgraça pessoal numa força colectiva.
Num tempo em que se debate tanto a identidade, o acolhimento e os direitos, talvez seja boa ideia começar por fazer justiça a quem sempre foi da casa e nunca teve direito a entrar pela porta da frente.

 

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

a primeira grande derrota do PCP, ou o princípio do fim do PREC. II

O PRINCíPIO DO FIM - Há 50 anos, a 5 de Setembro de 1975, acontecia a primeira grande derrota do PCP, o princípio do fim do PREC. Tratou se da Assembleia do MFA ou também conhecida, entre os derrotados como o pronunciamento de Tancos. 

Em Setembro, o governo comunista de Vasco Gonçalves estava moribundo, sem qualquer força política. Costa Gomes quando o nomeou alertou que seria um governo a prazo. Ainda com a legitimidade revolucionária a sobrepor-se à legitimidade democrática, o governo, mesmo que provisório, não possuia qualquer representatividade política, ao invés era um governo de um único partido, o PCP.
Infelizmente isso não significou, no imediato, uma travagem nas nacionalizações, ocupações de terras, saneamentos ou prisões sem validação de um juiz e na maioria dos casos com mandados de captura em branco. Desde que o PS e PSD tinham saído do Governo, o PCP sentia que teria pouco tempo para transformar Portugal no país dos Sovietes. Costa Gomes foi claramente o seu maior cúmplice e ainda hoje não sabemos o propósito, se para permitir a entrega de Angola aos comunistas do MPLA, se para garantir que todo o Alentejo se tornava numa enorme Unidade Cooperativa de Produção: em Julho, Agosto e Setembro ocuparam-se mais de 200 mil hectares ou para terminarem o processo de nacionalizações: a CUF, a Petroquímica, as Pirites Alentejanas, a Companhia das Lezírias ou a Covina ( Ind Vidreira), a Setenave ou os Estaleiros de Viana do Castelo foram nacionalizados no mês de Agosto ou principio de Setembro de 1975.
Foi a maior tragédia económica que atingiu Portugal desde o início da sua história moderna. O Portugal teve uma quebra real do PIB per capita de 6,7% em 1975, depois de já ter caído mais de 1,3% em 1974.
E assim foi
No início de setembro de 1975, o Presidente da República Costa Gomes propõe aos três ramos das forças armada nomear Vasco Gonçalves, então primeiro-ministro, como Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), retirando-lhe desta forma a chefia do governo.
A proposta teve a oposição do Exército e da Força Aérea, já que a Marinha mantinha o seu espírito revolucionário e estava indefetível ao lado de Vasco Gonçalves.
Face à falta de consenso, foi sugerido que a proposta viesse a ser apresentada numa Assembleia do MFA. Para isso seria necessário fazer Assembleias preparatórias para cada um dos ramos das Forças Armadas,
As reuniões preparatórias decorreram em cada ramo das Forças Armadas. A do Exército, foi a mais tumultuosa e com muitos detalhes, já que foram precisas duas Assembleias para se chegar ao resultado final.

Vasco Gonçalves, embora lutando energicamente, de forma estridente até ao fim, sentiu a ausência de apoio e saiu derrotado. Proferiu um discurso longo, cerca de 40 minutos, resignado, e renunciou ao cargo de CEMGFA. Assim, depois de altos e baixos, ganhou a linha próxima dos moderados.
O Grupo dos Nove tinha organizado cuidadosamente os encontros, com o objetivo de bloquear a nomeação de Vasco Gonçalves na chefia das Forças Armadas, aprovar a recomposição da Assembleia que lhes daria maioria e por fim impôs o afastamento de alguns membros comunistas do Conselho da Revolução, contrariando a hegemonia do PCP. Foram também votados nomes para o Conselho da Revolução, sendo excluídos Vasco Gonçalves, Corvacho, Miguel Judas, Costa Martins e outros oficiais próximos dos comunistas, numa proporção de 9 para um. Otelo foi curiosamente um aliado dos moderados no combate ao PCP. Nem sabia ele, que para o Pais recuperar o caminho da Democracia seria o COPCON o próximo alvo a neutralizar.
No dia seguinte, reuniram-se também as assembleias da Armada e da Força Aérea. Enquanto a segunda estava alinhada com o Exército e o Grupo dos Nove, a da Armada manteve-se, como sempre, fiel a Vasco Gonçalves.

Na Assembleia do MFA, já reunindo os três ramos, Os Nove afastaram definitivamente Vasco Gonçalves da liderança das Forças Armadas, recompuseram o Conselho da Revolução e consolidaram a sua influência, marcando a derrota definitiva dos "gonçalvistas" e reduzindo em muito o peso do PCP no Conselho da Revolução.
Os moderados vencem a batalha de Tancos. Recompõem o Conselho da Revolução, que passa a contar com apenas três elementos ligados ao PCP, entre eles Rosa Coutinho, militar de má memória quer para os Portugueses quer para os Angolanos. Os mais ativos oficiais gonçalvistas caem no meio da refrega. Otelo inebriado com a vitória e inoportuno como sempre, reclama:
“Agora é preciso que aprendamos todos, que nos esforcemos por aprender aquilo tudo que não nos quiseram ensinar, ao longo dos anos. É preciso que os tipos do 25 de Abril saibam qual é o caminho.

Como descrito mais tarde pelo historiador José Freire Antunes “Expansivo e inábil, Otelo continua a saber exprimir, como ninguém, toda a fragilidade dos militares atirados para a fogueira da política.”
Em Tancos morre o gonçalvismo, mas não o PCP, mesmo que tenha saído fortemente abalado. O PPD reclamou o fim do Conselho da Revolução, ao mesmo tempo que reclamava ir armar 50 mil homens, mas a luta transferiu-se para outra arena - a rua, e é cada vez mais radical. A norte, ardiam sedes do PCP, atacadas por populares com algum apoio da Igreja, principalmente na zona de Braga. Por cada tentativa de assalto, os militantes comunistas reagiam ao tiro, o que demonstrava que o PCP já estava armado. Dois meses depois o País assistiu ao cerco da Assembleia da República por parte de forças afetas ao PCP, talvez a maior intimidação coletiva exercida sobre um órgão de soberania. Cerca de 90 dias depois assistiria a uma tentativa de golpe de Estado liderada pelo PCP e com a participação inequívoca de Otelo, com intervenção direta, precisamente sobre as tropas que estavam estacionadas na base de Tancos. Mas isso é outra história e iremos lá mais tarde.
(Manuel Castelo Branco)


 


...também no Chile!


 

sábado, 15 de novembro de 2025

a primeira grande derrota do PCP, ou o princípio do fim do PREC.

Há 50 anos, a 5 de Setembro de 1975, acontecia a primeira grande derrota do PCP, o princípio do fim do PREC. Tratou se da Assembleia do MFA ou também conhecida pelo pronunciamento de Tancos.

Este acontecimento, provavelmente menos considerado na altura, é hoje visto como um dos momentos de viragem, com consequências a curto prazo, na demissão de Vasco Gonçalves, na relativização da força do PCP no Conselho da Revolução e mais tarde na própria demissão de Otelo e esvaziamento do COPCON.
Desde o início do verão, o PS e o PSD tinham abandonado o governo. Portugal, desde julho, era governado por uma troika comunista constituída por Costa Gomes (PR), Vasco Gonçalves (PM) e Otelo (COPCON). O grupo dos moderados, também chamado de Grupo dos Nove, tinha publicado um documento que contestava o rumo totalitário que o governo comunista, com o apoio de alguns setores militares, estava a implementar.
Otelo reagia com o documento "Autocrítica revolucionária do COPCON e proposta de trabalho para um programa político", que não apenas criticava o documento dos moderados liderados por Melo Antunes, como também se distanciava do PCP. O Documento do COPCON, claramente influenciado por militares e civis ligados à extrema-esquerda, rejeitava a democracia do tipo ocidental e propunha um modelo de democracia popular e de base. Eles defendiam que as eleições só tinham vindo a confundir o povo, impedindo que a consciência revolucionária fosse alargada às massas populares, já que o voto universal conduziria sempre à perpetuação da burguesia.
Este documento replicava as ideias defendidas pelo movimento terrorista do PRP/BR de Isabel do Carmo e Carlos Antunes, pela UDP, por Mário Tomé e pela LCI, partido de extrema-esquerda que mais tarde daria origem ao PSR (Partido Socialista Revolucionário). Tal como a UDP, este partido seria fundido no atualmente moribundo Bloco de Esquerda. Todos eles eram muito próximos de Otelo e dos seus conselheiros políticos. Otelo tinha vindo de Cuba "com o fogo revolucionário todo no rabo". 
Existiam agora, claramente, três blocos dentro do MFA: os moderados liderados por Melo Antunes, os comunistas alinhados com o PCP e cuja face visível era Vasco Gonçalves, e os radicais liderados por Otelo. Mas, ao que parece, já nem os comunistas acreditavam em Vasco Gonçalves.
A enorme fragilidade política de Vasco Gonçalves era indiscutível, tal como a sua loucura, evidenciada no famoso discurso de Almada. Nele, parece claramente um homem perturbado, desequilibrado e acossado. Os relatos falam de um começo amorfo, defensivo e abatido, e um fim eufórico, onde acaba a distribuir cravos à população. De forma tão descontrolada e doente, oferecia flores a quem as tinha acabado de entregar para as distribuir. É um general perdido que gasta os últimos cartuchos, um discurso desesperado que mais parece um dobre de finados.
O Grupo dos Nove (moderados) consegue, então, obter uma plataforma de entendimento com Otelo para o fim do V Governo Provisório. "…..Percorremos juntos e com muita amizade um curto-longo caminho da nossa História. Agora companheiro, separamo-nos. Julgo estar dentro da realidade correcta deste País ao assim proceder. Como dizia Mao - citando os clássicos - um revolucionário deve estar sempre com as maiorias populares. Só com elas poderemos caminhar em frente na Revolução que é e se quer Nacional…"
É nesta altura que Otelo resolve romper com Vasco Gonçalves, proferindo: "Agora, companheiro, separamo-nos (...) Peço-lhe que descanse, repouse, serene, medite e leia."
Sentindo a total falta de base de apoio, quer no MFA e no CR, Costa Gomes demite Vasco Gonçalves, propõe-o para CEMGFA e nomeia Pinheiro de Azevedo para Primeiro Ministro, o único nome que tinha conseguido algum consenso. 
No final de agosto, o PCP ainda tenta uma aliança com as forças mais radicais, apoiantes de Otelo: o MDP/CDE (o seu partido satélite), a UDP, a LUAR, a LCI, o PRP/BR, o MES e alguns outros. O objetivo era garantir o apoio político a Vasco Gonçalves, anular o crescente protagonismo dos moderados (à volta do Documento dos Nove) e confrontar o PS, que começava a tomar conta da contestação na rua. Esta aliança, que começa por se chamar FUP (Frente de Unidade Popular), não deve ser confundida com a Força de Unidade Popular que surgiria cinco anos mais tarde pela mão de Otelo para ser o braço político das FP25. No entanto, a extrema-esquerda não chega a acordo, o PCP sai da formação e esta passa a ser denominada de FUR (Frente de Unidade Revolucionária).
Esses setores mais radicais, ligados a Otelo Saraiva de Carvalho, mas também ao PCP, criavam os SUV (Soldados Unidos Vencerão), uma organização clandestina dentro do exército. Apresentavam-se em conferências de imprensa com o rosto tapado, tal como anos mais tarde veio a acontecer com a famosa conferência de imprensa das FP25, na Costa da Caparica. No domingo do início de setembro, à noite, no Porto, um oficial e dois soldados, embuçados por razões de segurança, deram a primeira conferência de imprensa dos S.U.V. Eles representavam a proletarização do exército, uma organização de trabalhadores fardados, implantada à escala nacional e capaz de combater a reação, defender os direitos dos soldados e fazer avançar a Revolução.
Desta forma, Otelo mas também o PCP teriam um exército privado e clandestino, como uma estrutura de comando autónoma. Mesmo que tenha nascido no âmbito das forças radicais que apoiavam o COPCON. No entanto, dada a capacidade de infiltração do PCP, e toda a sua técnica de orquestrar e mobilizar , “estando por perto mas sem dar a cara”não é claro que este não dominasse também os SUV. As assustadoras manifestações em Lisboa, Porto e Coimbra são prova disso, com militares fardados junto com vários milhares de “revolucionários”.
Prevendo já um futuro confronto militar, foi delineado dentro do COPCON um plano para distribuir dez mil metralhadoras G3 a grupos de populares próximos dos movimentos de esquerda radical. Em setembro, no auge da confrontação entre radicais e moderados, o capitão Álvaro Fernandes, oficial do COPCON, desviou mil G3 guardadas no depósito de munições de Beirolas e entregou-as a Carlos Antunes e Isabel do Carmo. Quando confrontado, Otelo procurou serenar os ânimos: “Sei pelo menos que as armas se encontram à esquerda e isso é uma satisfação muito grande. Se elas se encontrassem à direita é que era perigoso. Como se encontram à esquerda, para mim estão em boas mãos”. Ainda hoje, não conseguimos saber quantas vidas foram ceifadas por estas armas e quantos bancos assaltados por força da sua intimidação. Isabel do Carmo, entre outros, ainda está viva e pode explicar. Sabemos sim, que estiveram na posse do PRP/BR de Isabel do Carmo e
Carlos Antunes e dai transitaram para as FP25 de Otelo Saraiva de Carvalho.
Mas, mesmo moribundo, o V Governo ainda consegue suspender os acordos de Alvor, permitindo que o MPLA, que dominava Luanda, fizesse face à FNLA, que a cercava, e à UNITA, que dominava grande parte do território. Em Angola, a guerra está praticamente interrompida ou suspensa e discute-se a independência. A FNLA está às portas de Luanda e tem uma clara vantagem militar, beneficiando do apoio dos EUA, China e Zaire. Rosa Coutinho, Governador Geral do Governo Provisório de Angola, tudo faz para consolidar a posição dominante do MPLA, que conta com o suporte da URSS e dos seus satélites, como Cuba e a RDA. Mas faltam-lhe armas e tropas. Na viagem a Angola, Otelo recebe um pedido de Fidel Castro para enviar tropas para Angola em apoio ao MPLA. Otelo, diz que transmitiu a Costa Gomes e este desmente-o. Em qualquer caso, o destino estava traçado e como relatará mais tarde o então embaixador em Havana, José Fernandes Fafe, no dia da independência, 11 de novembro, “já havia 16 mil militares cubanos em Angola”, em território ainda português e em violação de todas as normas de direito internacional. Estava validada a trágica guerra civil de Angola.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

O silêncio cúmplice da comunicação social e o verdadeiro significado do 25 de Novembro de 1975

Ao revisitar o texto de José Ribeiro de Castro, Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, publicado no Observador, com o título «A comunicação social, as redes sociais e o 25 de Novembro», encontramos uma reflexão tocante e essencial para o presente: a crítica a uma comunicação social que não apenas ignora, como procura encobrir a data emblemática do 25 de Novembro de 1975 — o dia em que a tentativa de sovietização estalinista do PREC foi travada e a democracia liberal em Portugal ganhou novo fôlego.
O papel das redes sociais e o colapso da pluralidade mediática
Como o autor assinala, existe hoje um contraste retórico intenso: a comunicação social (CS) proclama-se porta-voz da “verdade”, enquanto as redes sociais seriam o território da “desinformação”. No entanto, na prática, os factos demonstram o contrário: a CS apresenta zonas negras de silêncio ou de agenda oculta, ao passo que as redes sociais permitem que vozes dissidentes, não cumpliciais, possam comunicar livremente e exercer cidadania.
Na ausência de pluralidade real — e o autor denuncia que, em Portugal, a “pluralidade” é muitas vezes aparente, limitada à opinião, mas não à informação, com todos os órgãos a convergir para os mesmos temas e visões — a CS acaba por funcionar como um oligopólio da agenda: quem foge à narrativa dominante não é publicado, não tem espaço.
Foi precisamente esse fenómeno que testemunhou o ciclo promovido pela Sociedade Histórica, intitulado “50 anos do 25 de Novembro”, que percorreu os “desvios, confrontos, percalços da Revolução e o triunfo da Democracia”.
Apesar de se terem colocado à disposição dos média comunicações prévias — sinopses, convites, notas de imprensa — nenhum órgão de comunicação social compareceu em qualquer das sessões, com exceção da Rádio Renascença na primeira. Este silêncio mediático não é inocente: comunica-se uma mensagem poderosa — a de que o 25 de Novembro e tudo o que lhe antecedeu (o Verão Quente, as prisões políticas, a luta pela Constituição, a tentativa de imposição revolucionária) não merecem tratamento sério ou pluralista. É como se fosse preferível ignorar, encobrir ou suavizar o significado histórico da data.

O 25 de Novembro como reparação democrática
O 25 de Novembro de 1975 não foi um mero “acontecimento de transição”: foi, de facto, o momento em que a democracia liberal portuguesa se afirmava, rejeitando a metamorfose do país numa réplica do bloco soviético. Foi a travagem de um projecto de poder que pretendia suprimir os partidos, as liberdades, a pluralidade e a propriedade privada, em benefício da ditadura proletária. O fim do ciclo do PREC (Processo Revolucionário em Curso) é ainda hoje mal compreendido ou deliberadamente minimizado.
O autor recorda: “as centenas de prisões políticas, o país dividido, a violência contra sedes partidárias, o contar das espingardas, o desastre a anunciar-se.”
Ao reconhecer plenamente o valor do 25 de Novembro como momento de retorno à democracia — e não como traço de continuidade ou banalização do PREC — estamos a honrar a liberdade e a responsabilidade histórica. Mas para isso é necessária uma comunicação social que deixe de se comportar como “guardião oligárquico da agenda” e volte a exercer o seu papel público com coragem.

A abordagem do autor é clara e implacável: se a comunicação social tivesse exercido o seu papel — cobertura plural, respeito pela liberdade de expressão, abertura ao contraditório — a dependência das redes sociais como espaço de liberdade não teria crescido tanto. Mas hoje, em Portugal, para além dos casos de auto-censura ou de hegemonia dos grandes grupos mediáticos, há também uma construção de silêncio — uma escolha editorial de “não dar palco” ao que incomoda ou desagrada à agenda dominante. Quando uma entidade organiza um ciclo público sobre temas nucleares da democracia portuguesa e a esmagadora maioria dos órgãos manda dar “não disponibilizado”, é sinal de que algo muito grave se passa.
Este silêncio ou branquear serve interesses: o interesse de menos-democracia, de menos-pluralidade, de menos contestação, de menos verdade. Serve o interesse de um “consenso” moldado, de uma narrativa que não deixa ver as fracturas que alimentaram e definiram a transição portuguesa.
A comunicação social que se comporta assim — não como quarto poder, mas como quinto poder, poder da omissão — falha ao país. Falha à cidadania. E, acima de tudo, falha à memória democrática.
O texto sustenta que, “se não fossem as redes sociais, estaríamos asfixiados pelo cerco; […] as redes são a nossa liberdade.” E identifica-as como “o nosso 25 de Novembro contemporâneo”.
Claro que não é o ideal: as redes sociais precisam de regulação, de responsabilidade, de temperança. O autor admite-o. Mas elas proporcionam algo inédito: comunicação directa, horizontal, sem filtro oligárquico e sem agenda editorial artificial. E esse “algo” está a mudar a sociedade, porque permite ao cidadão comum exercer voz própria — frente àquilo que a comunicação social tradicional já não garante.
Se queremos uma democracia viva, exige-se que tanto os média como as redes cumpram o seu papel: os média assegurem pluralidade e escrutínio real; as redes permitam voz, reacção e mobilização. E o 25 de Novembro — momento decisivo da história portuguesa — exige que ambos olhem de frente para ele, convoquem os factos, não maquilhem, não fujam, não se calem.

A data de 25 de Novembro de 1975 simboliza o triunfo da liberdade sobre a tentativa de imposição de um regime revolucionário totalitário. A comunicação social que ignora ou suaviza este facto está a negar-se a si própria, à função de mediação democrática, à história e ao presente.
Este artigo de reflexão — inspirado no trabalho de José Ribeiro e Castro no “Observador” — é um alerta: para que haja verdadeira democracia, há que haver verdadeira cobertura mediática. Não basta o espetáculo, o “fecho de edição”, o consenso confortável. É preciso lembrar, debater, confrontar.
E nós, como leitores, cidadãos, pesquisadores, temos o dever de apontar o dedo ao silêncio e à omissão — porque onde há silêncio e omissão, cresce o autoritarismo e perde-se a liberdade.

sábado, 8 de novembro de 2025

A angústia dos jornalistas e o medo de perder o emprego!

Há hoje, nas redacções, uma forma curiosa de sobrevivência profissional: ser “anti-CHEGA”. Não basta fazer jornalismo; é preciso mostrar serviço. 
Dai que cada entrevista, cada artigo, cada noticia seja, para muitos, uma espécie de teste de fidelidade ideológica.
Não é o CHEGA ou o Ventura o entrevistado — é o jornalista quem se submete a exame.
A entrevista ou o artigo transformam-se em ritual de purificação: o repórter ou o comentador tem de demonstrar, perante chefes, colegas e a plateia moral das redes sociais, que *nada tem a ver com Ventura*, que odeia o “populismo”, que se indigna no tom certo e à hora certa. Só assim poderá manter o cargo, o espaço de antena ou o sorriso do director.
É um espectáculo de medo.
O medo é a pior das emoções — e é ele que hoje governa boa parte da comunicação social. O medo de ser confundido com “os maus”. O medo de ser acusado de complacência. O medo de não pertencer ao clube moralmente aprovado.
Quando um jornalista entra num estúdio para entrevistar Ventura, não procura compreender, questionar ou informar. Procura *salvar-se*. O entrevistador não fala para o público; fala para os seus pares. O seu verdadeiro objectivo é ser aceite.
A lógica é de servidão voluntária. Nenhum deles obtém de Ventura o que deveria ser o propósito do jornalismo — esclarecimento, informação, contraste de ideias. Obtém, isso sim, a sensação momentânea de segurança: provar que está “do lado certo da História”.
E é precisamente esse automatismo — essa incapacidade de sair do rebanho — que torna o jornalismo português tão previsível, tão pobre, tão incapaz de surpreender.
Há, é certo, os activistas confessos, os que militam abertamente contra o CHEGA. Mas o mais trágico nem são esses. É o número crescente dos que, não sendo activistas, imitam o tom e os tiques dos fanáticos para não serem excluídos.
A imparcialidade, que deveria ser a essência da profissão, tornou-se defeito. A serenidade passou a suspeita. A dúvida passou a crime.
Só em frente a Ventura, o fanático sente que pode — ou até deve — exibir o seu fanatismo. Como se o dever profissional de informar se dissolvesse no prazer tribal de atacar.
É o retrato da decadência mediática: jornalistas que não informam, comentadores que não analisam, e um país que vai sendo empurrado para a ignorância e o ressentimento — tudo em nome de uma “virtude” que não é mais do que medo mascarado de moral.

No fundo, o jornalismo português está dominado por uma patologia simples: a angústia de ser diferente.
E, por ironia, é isso mesmo que Ventura representa — a diferença que os outros temem reconhecer.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

De Nova Iorque ao Entroncamento — o novo provincianismo global

Os mídia portugueses, sempre atentos à pulsação moral do planeta, sabem quem é Zohran Mamdani. Sabem que é jovem, democrata, muçulmano, imigrante e ocultam que é de extrema esquerda populista — combinação química perfeita para a beatificação instantânea. Sabem, também, que prometeu “fazer a vida negra aos ricos”, o que basta para acender nas redacções uma aura de entusiasmo religioso. Mas não sabem — nem querem saber — quem é o Nelson Cunha, 35 anos, sociólogo, emigrante no RU, natural do Entroncamento. Não lhes interessa. É demasiado perto para ser exótico e demasiado real para ser inspirador.
O jornalismo contemporâneo deixou de ser curiosidade pelo mundo e passou a ser catecismo da tribo. Já não informa: canoniza. A cada novo “Zohran”, o coro mediático ajoelha-se perante o altar da diversidade e da esperança importada, enquanto o país real se dissolve em silêncio.

Lisboa, que há muito trocou a alma pelo reflexo cosmopolita, olha o resto do país com a mesma comiseração com que Nova Iorque olha o Midwest americano: “gente atrasada”, “provincianos”, “populistas”. E assim se constrói o novo provincianismo — o provincianismo global — onde a elite local se julga internacional por repetir slogans alheios.

Há uns anos escrevi no ReVisões que a nova fronteira não é entre esquerda e direita, mas entre os que vivem da realidade e os que vivem da narrativa. Essa fronteira alarga-se. No país real — aquele onde os serviços públicos colapsam, onde as escolas fecham, onde a insegurança cresce — ninguém precisa de “heróis democratas nova-iorquinos”; precisa de médicos, de polícia, de justiça.

Os mesmos que choram por Gaza não sabem onde fica Aljustrel; os que citam AOC e Mamdani nunca ouviram falar de quem gere o Entroncamento. E, contudo, acreditam ser moralmente superiores — porque leram um tweet em inglês e partilharam um vídeo com legendas inspiradoras.
É esta a doença moral do nosso tempo: a substituição da realidade pela emoção mediada. E o jornalismo, que deveria ser o antídoto, tornou-se cúmplice.

Zohran Mamdani, de longe, é símbolo do bem; Nelson Cunha, de perto, é incógnita. Entre um e outro mede-se a falência das democracias maduras — cada vez mais desligadas do território, do povo e da verdade concreta da vida.
O pior talvez ainda esteja para vir. Porque quando uma civilização começa a importar as suas esperanças e a exportar os seus problemas, o colapso já começou — apenas ainda não chegou às redacções.

A Rita Monteiro vai usar lencinho?

a Rita Monteiro, jornalista, escreve:
"Se for eleito em Novembro, será uma vitória histórica. Será o primeiro autarca muçulmano da história de Nova Iorque. Apesar de ter nascido no Uganda, foi criado desde os 7 anos no bairro operário de Queens, Nova Iorque.
Mamdani é conhecido pelo seu ativismo pró-Palestina. Durante a sua campanha, recebeu criticas de antissemitismo por parte de nova iorquinos. Concorda com o direito de Israel existir, mas diz que o país teria de se “responsabilizar e respeitar o direito internacional”. Chegou mesmo a dizer que se o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, visitasse
Nova Iorque, que o mandava prender. 

Trump já o chamou de “lunático comunista”. “Já tivemos esquerdistas radicais antes, mas isto está a tornar-se um pouco ridículo. Ele tem um aspeto terrível, a sua voz é irritante, não é muito inteligente”, criticou o presidente norte-americano."

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

inquisidor, verdugo, algoz!

Durante a campanha eleitoral de Outubro de 2025 a expressão “Morte aos traidores” presente nos cartazes do MRPP chocou alguns ouvidos. Inquirida, a Comissão Nacional de Eleições tranquilizou o país: tratava-se de uma metáfora. Já Garcia Pereira, dirigente do MRPP
, explicava, ao mesmo tempo que anunciava, a suspensão da frase “morte aos traidores” do material de campanha, que isso não isentava os traidores da morte certa.
Mas a história do MRPP ensina que este movimento fez mais que pedir metaforicamente a morte daqueles que considerava traidores. Em 1975 e 1976 o MRPP sequestrou, agrediu e torturou alguns daqueles a quem chamou traidores…
o berço vermelho da intolerância
“Morte aos Traidores!” — era palavra de ordem que ecoou nas paredes, nas ruas e nas consciências de 1975 — foi mais do que uma frase de revolução. Foi a semente de uma cultura política que, sob o pretexto da libertação, legitimou a perseguição, o ódio e a intimidação em nome da pureza ideológica.

O Observador, no artigo que agora recupera esse grito sinistro, recorda-nos que o MRPP, os “comités de vigilância”, os “tribunais populares” e outros aparelhos do PREC não foram meros folclores revolucionários. Foram instrumentos de poder e medo — e o medo é sempre o combustível do totalitarismo.
À luz dos acontecimentos de hoje, é impossível não traçar paralelos. O moralismo da Esquerda contemporânea, travestido de “progressismo democrático”, mantém intacta a lógica inquisitorial: quem discorda é “fascista”, quem duvida é “negacionista”, quem resiste é “traidor”.
Mudou-se a semântica; manteve-se o instinto.
A cultura do “traidor” é a antítese da democracia. A Revolução Francesa teve o seu Comité de Salvação Pública; o PREC teve o seu MRPP e os seus fuzilamentos simbólicos. Hoje, a Europa tem as suas comissões de “verificação de desinformação”, onde se decide quem pode falar e quem deve ser silenciado — sempre, claro está, a bem da democracia.
A mesma pulsão de censura que animava os panfletos de 1975 ressurge agora nas salas de Bruxelas e nas redações alinhadas. A diferença é que já não se grita “Morte aos traidores!”, mas murmura-se, com a mesma ferocidade moral: “Cala-te, extremista!”.
Os métodos são outros; a essência é idêntica.
O artigo recorda ainda como, entre 1974 e 1976, a violência política em Portugal foi real — espancamentos, prisões arbitrárias, demissões sumárias. Tudo em nome da revolução e do “povo”. A história não é uma metáfora: é uma advertência.
Quando hoje se invocam “valores europeus” para silenciar opiniões, o espectro do PREC sorri. É o sorriso do intolerante que se julga virtuoso, o sorriso dos “bons” que perseguem “maus” com a serenidade dos inquisidores.
É por isso que o artigo do Observador é importante: porque recorda. E recordar é um acto político — sobretudo quando o esquecimento é conveniente.
Quem chama “traidor” a quem pensa diferente não defende a democracia; destrói-a.

Notas:
[1] Observador, “Morte aos traidores! Uma palavra de ordem levada muito a sério”, Outubro de 2025.
[2] Cf. Jaime Nogueira Pinto, Portugal, Os Anos do Fim, Dom Quixote, 2014.
[3] Ver também as actas do COPCON (Arquivo Histórico Militar) e os testemunhos de oficiais moderados do MFA.
[4] Sobre a genealogia da intolerância revolucionária, cf. François Furet, O Passado de uma Ilusão (Dom Quixote, 1996).