quarta-feira, 17 de setembro de 2025

e se este alegado jornalista nos enganou?

O plano começa a dar frutos. A tendência de crescimento eleitoral da Aliança Democrática parece estar a consolidar-se nos sucessivos estudos de opinião que vão sendo publicados. Os inquiridos nestas sondagens vão fazendo uma avaliação aparentemente positiva dos quase 10 meses de Governo e a popularidade de Luís Montenegro vai resistindo mesmo depois de o Executivo ter somado a sua dose de casos e casinhos. Em sentido inverso, Pedro Nuno Santos e André Ventura vão mostrando os primeiros sinais de algum desgaste, um dado que não passa despercebido a quem aconselha o primeiro-ministro. 

(Miguel Santos Carrapatoso no Observador em 17 jan. 2025, 23:0515)

No núcleo mais próximo de Luís Montenegro, ninguém quer entrar em grandes euforias ou dar especial importância a sondagens. Mas a verdade é que havia alguma frustração latente com os estudos de opinião. Ainda que confirmassem a popularidade de Montenegro, estes inquéritos iam apontando para um empate técnico entre a AD e o PS (ou até para uma ligeira vantagem dos socialistas) e para uma estabilização do Chega nas intenções de voto mesmo depois de o Governo ter feito aprovar uma série de medidas teoricamente populares de redistribuição de rendimentos e apesar da preocupação declarada da coligação de direita em recuperar bandeiras como a segurança e a imigração.

Paulatinamente, e na perspetiva dos homens do primeiro-ministro, claro, a tenaz que encurtava o espaço político da AD parece estar a perder força. As contas públicas mantêm-se em ordem (e o centro gosta disso), os mais jovens (bastião eleitoral da AD) estão a conseguir comprar mais casas (cerca de 17 mil já o fizeram com as novas regras fiscais e o IRS Jovem vai começar a produzir resultados este ano) e os mais velhos (o suporte político do PS) começam agora a perceber que o fantasma da troika e do corte das pensões está definitivamente exorcizado.

Não menos importante, o binómio segurança/imigração tornou-se tema dominante de todos os debates, o que tem permitido ao Governo falar diretamente para o eleitorado do Chega e ensaiar uma separação das águas à direita. “Foi como sopa no mel. E André Ventura está a ficar sem chão e sem narrativa”, argumenta um elemento do Governo. “O nosso discurso cria um embaraço a André Ventura. Ocupámos um espaço que ele estava a tentar ocupar”, concorda um destacado dirigente social-democrata.

A partir do Governo a ordem é para dramatizar e tentar provar que Pedro Nuno Santos (pela inação e pela omissão) está tão errado como André Ventura (pela agenda radical). Nem o "oito" do PS, nem o "oitenta"do Chega, vai dizendo Montenegro

Nem o “oito” do PS, nem o “oitenta”do Chega

É quase uma questão de aritmética eleitoral: nas últimas eleições legislativas, houve 1 milhão de votos à direita da Aliança Democrática; o Chega terá uma base de fiéis na ordem dos 10%, que dificilmente será recuperável, mas existem ainda muitos eleitores por convencer nesse espaço político. “Fechámos o campo de batalha ao centro. Temos de crescer à direita“, antecipa um influente social-democrata.

No último debate quinzenal, aliás, Montenegro e o líder do Chega chocaram precisamente nessa frente, com os dois a tentarem levar a água ao seu moinho: Ventura a sugerir que o Governo é frouxo no combate à insegurança e à imigração ilegal; e o social-democrata a tentar colocar-se rigorosamente ao centro nesta discussão. Nem o “oito” do PS, nem o “oitenta” do Chega, disse Montenegro. “Os dois partidos da oposição estão a apanhar bonés“, rematou Hugo Soares, líder parlamentar do PSD e braço direito do primeiro-ministro, no mesmo debate.

Os sociais-democratas estão convencidos de que estão a conseguir ganhar este debate. Por um lado, acreditam que Pedro Nuno Santos não tem conseguido encontrar um discurso coerente e que as posições relativamente recuadas dos socialistas (ambíguas e contraditórias em alguns casos) estão a prejudicar o próprio partido. O PSD entende que só precisa de continuar a colar o PS ao radicalismo e a uma alegada agenda anti-ordem e anti-polícia para manter a pressão sobre Pedro Nuno.

Aliás, o mesmo debate quinzenal ficou marcado pelo momento de indignação de Montenegro (amplamente partilhado nas redes sociais dos apoiantes da AD). Pedro Nuno Santos teve uma evidente preocupação de ignorar por completo a operação do Martim Moniz ou a questão da imigração para não ser arrastado para o campo de batalha onde a AD parece sentir-se mais confortável. Mas uma referência quase lateral às alterações às regras de acesso de cidadãos estrangeiros ao SNS foi o suficiente para que o primeiro-ministro acusasse, aos gritos, o líder socialista de querer “pactuar e promover redes criminosas na Saúde”.

Ao mesmo tempo, acredita-se no quartel-general do PSD, um discurso assertivo sobre os dois temas, com medidas e ações concretas no terreno, pode fazer recuperar parte do eleitorado que fugiu para o Chega — partido que durante muito tempo esteve sozinho a falar sobre as questões da criminalidade e da imigração — e que agora se pode sentir incomodado com os exageros retóricos e programáticos de André Ventura. A ordem, portanto, é para dramatizar e tentar provar que o secretário-geral do PS (pela inação) está tão errado como André Ventura (pela agenda radical).

O barómetro da Fundação Francisco Manuel dos Santos teve conclusões: 75% dos respondentes acham que seria positivo para Portugal que houvesse uma política de imigração mais regulada; 68% defendem que os imigrantes contribuem para o aumento da criminalidade; 54% acham que os imigrantes prejudicam os portugueses no mercado de trabalho; e 61% dos inquiridos consideram que o número de imigrantes do subcontinente indiano deve diminuir

AD com um sinal verdadeiramente animador

Claro que nada disto se faz sem erros e dores de crescimento. A conferência de imprensa das oito da noite que tanta tinta fez correr, a operação policial no Martim Moniz que tantas críticas provocou, a equiparação que Luís Montenegro fez entre a manifestação “Não nos encostem à parede”, que juntou dezenas de milhares de pessoas, e a vigília organizada pelo Chega (que reuniu umas centenas de pessoas e uns quantos elementos do partido nacionalista Ergue-te), tudo foi aproveitado pela oposição para acusar o Governo de ter mergulhado numa deriva autoritária. Para o PSD/CDS, importa garantir que o centro moderado não se assusta e, para isso, é preciso equilíbrio e alguma contenção. É Montenegro a andar no arame.

O último inquérito da Pitagórica para a TVI, CNN, TSF e JN trouxe indicadores positivos para a Aliança Democrática, reforçaram os estudos internos do Governo e mostraram Montenegro finalmente a descolar do PS (ligeiramente, mas a descolar). Além de subir cerca de quatro pontos percentuais nas intenções de voto em relação às últimas legislativas, 62% dos inquiridos disseram aprovar a atuação do Governo e 53% das pessoas que participaram na sondagem fizeram uma avaliação positiva do desempenho do primeiro-ministro, num estudo conduzido entre os dias 28 de dezembro de 2024 e 5 de janeiro de 2025, já depois da controversa operação policial no Martim Moniz.

Em sentido inverso, nesta mesma sondagem, o PS e o Chega descem 1 e 2 pontos percentuais em relação às últimas eleições legislativas. Não é exatamente um trambolhão, mas Pedro Nuno Santos e André Ventura também recolheram avaliações maioritariamente negativas (59 e 69%, respetivamente) e, no caso do socialista, existe um dado particularmente relevante: 37% dos inquiridos que dizem ter votado no PS fazem uma avaliação má ou muito má de Pedro Nuno Santos, o que indicia algum desencanto das bases do partido com o líder eleito em dezembro de 2023.

Todas as sondagens devem ser lidas com especial cautela. Esta, por maioria de razões, também: qualquer estudo deste género é apenas a fotografia do momento; mesmo que sejam antecipadas, falta muito tempo para haver eleições legislativas; a margem de erro do inquérito não é irrelevante; e a amostra desta sondagem é relativamente curta (400 pessoas). Todavia, parece consolidar uma tendência verificada noutras sondagens — e isso não deve ser politicamente desprezado.

Em cima disto, existe outro indicador que é relevante para as pretensões de Luís Montenegro. A Aliança Democrática tem vantagem sobre o PS em quase todo o território (falha o Sul do país e as ilhas) e em todos os segmentos eleitorais à exceção de dois, os mais pobres e os mais velhos, que continuam a preferir os socialistas. Mas aqui há uma variação importante: a distância entre a Aliança Democrática e o PS junto dos eleitores que têm mais de 55 é praticamente residual, o que pode indiciar uma mudança de comportamento deste eleitorado.

reconciliação com os eleitores mais velhos foi uma necessidade assumida por Luís Montenegro. Nas últimas legislativas, e mesmo tendo vencido as eleições — à tangente, mas venceu —, a Aliança Democrática foi copiosamente derrotada pelo PS neste segmento eleitoral, confirmando um divórcio entre os eleitores mais velhos e o espaço de centro-direita que se arrasta desde o tempo da troika.

Daí para cá, o Governo tem feito um esforço concertado para “desmistificar” a ideia de que a direita penaliza os reformados quando chega ao poder, seja através do aumento das pensões, seja através do reforçou do Complemento Solidário para Idosos ou, por exemplo, da gratuitidade dos medicamentos para os beneficiários deste apoio social.

Entre os dirigentes sociais-democratas ouvidos pelo Observador há quem entenda que recuperar o discurso e a agenda sobre segurança e imigração também pode ser determinante para merecer a confiança dos eleitores mais velhos — aqueles que, por norma, mais temem o aumento da criminalidade e que mais dificuldades têm em interagir com uma comunidade que vai sofrendo a pressão da imigração. Ora, se o PS falhar em ter um discurso para estas pessoas, também isso será uma oportunidade para a AD disputar a grande base eleitoral dos socialistas.

O binómio segurança/imigração tornou-se tema dominante de todos os debates, o que tem permitido ao Governo falar diretamente para o eleitorado do Chega e ensaiar uma separação das águas à direita. "André Ventura está a ficar sem chão e sem narrativa", argumenta um elemento do Governo. "O nosso discurso cria um embaraço a André Ventura. Ocupámos um espaço que ele estava a tentar ocupar", concorda um destacado dirigente social-democrata

Segurança e imigração: sondagens reforçam caminho do Governo

Esta sondagem da Pitagórica mediu ainda outras duas questões relevantes para o debate atual. Os inquiridos foram desafiados a dizer se concordavam ou não com a operação policial conduzida no Martim Moniz e se consideravam terem ou não existido motivações racistas naquela rusga. As conclusões foram cristalinas: 57% das pessoas disseram concordar ou concordar totalmente com aquela operação (contra apenas 27% que disseram discordar ou discordar totalmente); e 65% rejeitaram retirar qualquer leitura racista daquela operação contra apenas 20% dos que disseram ver motivações raciais na rusga.

Uma leitura mais fina dos dados permite retirar outras conclusões complementares. Por exemplo, os inquiridos que dizem ter votado no PS nas últimas eleições legislativas estão rigorosamente divididos nas duas questões. Metade afirmou discordar da operação policial e considerou-a racista; outra metade defendeu-a e afastou qualquer tipo de motivação racial. É mais um indício, um indício objetivo neste caso, de que os socialistas continuam com dificuldades em encontrar uma posição fechada sobre estas duas matérias.

Por comparação, esta divisão não existe de todo entre os eleitores da Aliança Democrática e do Chega, que aprovam por larga maioria a operação no Martim Moniz e discordam radicalmente da ideia de que tenha sido racista. À esquerda, um fenómeno igualmente interessante: o PCP, que tem um eleitorado tipicamente mais conservador e mais envelhecido, está igualmente dividido nestas duas questões; já aqueles que dizem ter votado no Bloco de Esquerda nas últimas legislativas são, de longe, os que mais condenam esta operação e aqueles que mais vincadamente afirmam considerá-la racista.

Se os critérios forem o género, a idade e a classe social também é possível encontrar algumas chaves de leitura. São os homens, os mais pobres e os que estão em plena idade ativa (34 a 55  anos) que mais aprovam esta operação policial. E são também os homens desta faixa etária que mais rejeitam a ideia de que esta operação tenha sido racista — não há grandes variações nesta matéria em função da classe social dos inquiridos.

Não é um sinal irrelevante. Instalou-se a perceção de que a força de André Ventura residia no eleitorado mais jovem e com baixas qualificações, mas não é exatamente assim. Como explicaram os investigadores João Cancela e Pedro Magalhães a partir de uma sondagem conduzida à boca das urnas pelo ICS/ULisboa, o Iscte e a GfK Metris, “este grupo representa apenas 7% do total de votantes, tornando este resultado insuficiente para explicar o crescimento do partido”. A força do Chega reside noutro segmento eleitoral.

Na verdade, nas últimas eleições legislativas, que resultaram numa eleição histórica de 50 deputados, o Chega foi particularmente forte precisamente junto dos homens nesta faixa etária e com menos qualificações — os mesmos que, na sondagem da Pitagórica, mais validaram a operação policial no Martim Moniz e refutaram com maior veemência a classificação de racismo. É uma interseção praticamente perfeita.

Voltando à sondagem da Pitagórica: 33% dos inquiridos que dizem ter votado no Chega fazem uma avaliação positiva da prestação de Luís Montenegro. André Ventura tem 21% de avaliações negativas ou muito negativas mesmo entre os seus eleitores.

Ao mesmo tempo foi divulgado um barómetro da Fundação Francisco Manuel dos Santos que reforça e amplia todos estes indicadores — com uma amostra bem mais expressiva, de mais de mil inquiridos. As conclusões são igualmente reveladoras: 75% dos respondentes acham que seria positivo para Portugal que houvesse uma política de imigração mais regulada; 68% defendem que os imigrantes contribuem para o aumento da criminalidade; 54% acham que os imigrantes prejudicam os portugueses no mercado de trabalho; e 61% dos inquiridos consideram que o número de imigrantes do subcontinente indiano deve diminuir.

Este estudo trouxe ainda uma outra conclusão muito relevante: “Existe entre os inquiridos um forte enviesamento (por excesso) na perceção do número de imigrantes em Portugal. Tal resultado revela-se particularmente relevante, uma vez que essa falsa perceção é também um forte preditor de atitudes mais desfavoráveis à imigração”. Ou seja, os portugueses sobrestimam o número de imigrantes existentes em Portugal e, consequentemente, o impacto dessa imigração e os seus eventuais riscos no e para o país.

Com base nas repostas dos inquiridos, o mesmo barómetro concluiu que, para os portugueses, o problema mais significativo que país tem enfrentado é precisamente a imigração. Só depois entram as questões relacionadas com o acesso à Saúde e à Habitação e, em quarto lugar, a “criminalidade, a violência e a segurança”. Mas os números não são lidos da mesma forma. A equipa de Luís Montenegro vai argumentando que está a governar para responder às reais preocupações dos portugueses. A oposição vai acusando o Governo de estar a agravar perceções e a definir políticas públicas com base em pressupostos errados.

Factualmente, a imigração aumentou de forma expressiva nos últimos anos, a criminalidade violenta e grupal aumentou 5,6% e 14,6%, respetivamente. Mas os relatórios oficiais não fazem qualquer correlação entre o aumento do número de imigrantes e o número de crimes, e a proporção de reclusos estrangeiros mantém-se estável.

Ao contrário de Ventura, Montenegro tem dito repetidamente que não existe uma relação direta entre o aumento do crime e o número de imigrantes, mas a falta de dados mais finos tem sido utilizada para acusar as autoridades oficiais de querem esconder a realidade do país — o líder do Chega disse isso mesmo esta semana, em entrevista à CNN.

No Parlamento, Luís Montenegro admitiu seguir a recomendação da Iniciativa Liberal e, ouvido o Conselho Superior de Segurança, passar a incluir a nacionalidade dos autores dos crimes nos Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI). “Pode ser útil à definição de políticas e condições operacionais das forças de segurança. Podemos e devemos ter essa discussão”, justificou o primeiro-ministro. A ideia foi rapidamente contestada pelos partidos mais à esquerda, mas tem tudo para fazer o seu caminho e marcar uma nova fase do debate político.



O dilema presidencial de André Ventura: força e fraqueza são, afinal, duas faces da mesma moeda.

André Ventura escolheu, mais uma vez, o caminho mais arriscado. Não acredita que vá ganhar — e sabe que a sua taxa de rejeição, sobretudo à esquerda e na imprensa “a que temos direito”, o torna um candidato improvável. Mas acredita — com razão — que pode alcançar a segunda volta, graças à fragmentação ideológica dos candidatos concorrentes, que não conseguem gerar unanimidade nem dentro dos partidos que os apoiam.
O paradoxo que o move: força e fraqueza.
Quem quisesse verdadeiramente neutralizar André Ventura e enfraquecer o CHEGA talvez já não tivesse de o combater nas arenas parlamentares ou nos palcos televisivos. Bastaria elegê-lo Presidente da República. Conseguir isso seria a apoteose e a derrota, o clímax e a decadência numa mesma eleição. O CHEGA, sem André Ventura, tornar-se-ia irrelevante: um partido em estado vegetativo, reduzido a resmungos parlamentares e a intrigas de segunda linha.

Força
A força de André Ventura é evidente. Pela primeira vez na história democrática portuguesa, sondagens colocam o CHEGA como força maioritária. Ventura conseguiu, em poucos meses, assumir-se como verdadeiro líder da oposição — ao passo que José Luís Carneiro continua atolado no cinzentismo, incapaz de renovar um PARTIDO SOCILISTA à deriva, dominado pelos mesmos de sempre.
Ventura percebe que as presidenciais são o palco perfeito: sem risco de perda parlamentar imediata, com elevada exposição mediática e com a possibilidade de transformar a eleição num referendo sobre o “sistema”. Uma ida à segunda volta bastaria para projectar a sua imagem de inevitabilidade e reforçar o seu domínio interno no CHEGA.
Fraqueza
Mas a decisão revela também a sua maior fraqueza: a solidão no topo. Ventura não tem ninguém a quem delegar protagonismo credível.
Gouveia e Melo, outrora visto como “almirante salvador”, tornou-se indigesto — demasiado vaidoso para piscar o olho a um partido populista, demasiado enredado em anticorpos para uma coligação tácita. Marques Mendes, Cotrim de Figueiredo ou António José Seguro até poderiam ser hipóteses aceitáveis para uma direita “respeitável”, mas só à custa da negação existencial do CHEGA: admitir que não tinha um candidato próprio seria suicidário para um partido que vive do personalismo de Ventura.
O Argumento do “Suicídio Presidencial”
O jornalista Pedro Almeida Vieira defende que, caso Ventura fosse eleito, isso significaria o início do fim do CHEGA1. A Presidência obrigá-lo-ia à moderação, ao decoro institucional e ao silêncio táctico, amputando-lhe o estilo combativo e polémico que lhe dá identidade. Sem o seu líder a provocar, chocar e agitar as águas, o CHEGA definharia, órfão de carisma e de direcção.
A ideia assenta em três pressupostos:
O cargo presidencial é incompatível com o estilo Ventura;
Ventura não conseguiria reinventar-se para esse papel;
O partido não tem sucessor à altura.
Os Contra-Argumentos do “Suicídio Presidencial”
Outros analistas discordam desta visão.
O André Freire tem sublinhado que a Presidência portuguesa é um cargo de grande visibilidade e influência simbólica, mesmo que formalmente limitada, e que o poder depende muito da personalidade de quem o ocupa2. Marcelo Rebelo de Sousa demonstrou como um Presidente pode usar a sua popularidade para dominar a agenda, sem necessidade de exercer poderes formais — o que sugere que Ventura poderia manter protagonismo e moldar o debate mesmo de Belém.
Já Jaime Nogueira Pinto tem argumentado que figuras carismáticas adaptam o seu estilo ao cargo em vez de o perderem — e que um Ventura em Belém poderia “presidencializar” o CHEGA, elevando a sua imagem institucional e obrigando-o a crescer como estrutura partidária3.

Além disso, a história recente mostra que partidos personalistas nem sempre colapsam quando o líder muda de posição: o caso francês da Frente Nacional (Le Pen), ou o italiano da Liga (Salvini), demonstram que, se houver uma base ideológica sólida e estruturas locais activas, o partido pode sobreviver e até ganhar novos espaços com a “institucionalização” do líder4.
Cenários Alternativos
Dois cenários extremos estão em aberto:
Sucesso presidencial e declínio partidário — André Ventura ganha, mas o CHEGA definha, incapaz de gerar novas lideranças, tornando-se satélite de um Presidente neutralizado pelo protocolo.
Sucesso presidencial e consolidação partidária — André Ventura ganha e usa Belém como plataforma de influência diária, deixando a liderança formal do partido a um fiel delfim, mas continuando a condicionar todas as decisões, como fez Mitterrand no PS francês após chegar ao Eliseu.
Entre estes extremos, o cenário mais provável é intermédio: André Ventura perde, mas chega à segunda volta com uma votação expressiva que o consolida como líder da oposição e reforça o CHEGA como alternativa de poder.
A candidatura presidencial de André Ventura é um gesto de risco calculado. Se perder, ganha estatuto. Se ganhar, enfrenta o dilema de se reinventar.
A Presidência pode ser tanto um trampolim como uma jaula. Tudo dependerá menos do cargo em si e mais da capacidade de Ventura para transformar o poder simbólico em influência política quotidiana — e da capacidade do CHEGA para deixar de ser um partido de um só homem.
isto é:
A força e a fraqueza de André Ventura são, afinal, duas faces da mesma moeda.
Referências
Pedro Almeida Vieira, “E se a esquerda fizesse Ventura Presidente? Isso seria… o fim do Chega”, Página Um, 16 Setembro 2025.
André Freire, “Presidência e poder de agenda”, Diário de Notícias, 2021.
Jaime Nogueira Pinto, “A personalização da liderança política”, Observador, 2023.
Cas Mudde & Cristóbal Rovira Kaltwasser, Populism: A Very Short Introduction, Oxford University Press, 2017.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

das "sondagens" da semana que passou"

Atualização semanal das sondagens e perspectivas para as Eleições Autárquicas de 2025, com foco no PS, PSD/AD e Chega.

1. Tendências Globais e Expectativas Nacionais
Uma sondagem da Intercampus, realizada para o Negócios, CM e CMTV, revela que mais de 25% dos portugueses acreditam que o Chega poderá conquistar mais câmaras municipais do que o PS nas autárquicas de 12 de outubro — um fenómeno considerado “inédito” e potencial reflexo do desgaste eleitoral do PS após as legislativas de Maio.
Até ao momento, os principais estudos de opinião estão a cargo do ICS/ISCTE, Intercampus, GFK/Metris, e em menor medida Aximage, IPOM e Multidados, cobrindo concelhos como Cascais, Alenquer, Covilhã, Faro, Figueira da Foz, Penafiel, Porto e Torres Novas.
Outro item relevante: a Intrapolls tem publicado mapas estimativos por distrito e município, mostrando onde cada partido (PS, PSD/AD, Chega) parece liderar ou ter vantagem. Os mapas mostram que há distritos onde Chega está à frente ou muito competitivo, distritos onde PSD/AD mantêm forte presença, assim como distritos dominados pelas forças do PS ou coligações.
2. Panorama Local — Concelhos em Foco
Faro: em sondagem do ICS/ISCTE para o Expresso (divulgada em 7 de Agosto): PS (António Miguel Pina) lidera com 21%, seguido pelo PSD com 19%, e o Chega em terceiro com 16%.
Gaia (não capital de distrito, mas de grande relevância metropolitana): sondagem da Pitagórica para TVI/CNN mostra Luís Filipe Menezes (PSD) com 41,6 %, vs PS com 33,4 %.
Porto: sondagem (Notícias ao Minuto) indica Manuel Pizarro liderando com ~ 36%, Pedro Duarte ~ 33%; Chega (Miguel Corte-Real) aparece atrás desses dois.
Entroncamento (municipio representativo): mapa da Intrapolls mostra Chega e PSD muito próximos (~ 31 %), com Chega ligeiramente à frente; PS atrás. (Facebook)
Lisboa (estimativa municipal via Intrapolls): AD/IL lidera cerca de 36 %, Chega ~ 17 %, PS abaixo desses dois. (Instagram)
3. Panorama Nacional
Estimativas do Intrapolls mostram deslocações de vantagem em muitos municípios, com PS + coligações, PSD/AD ou Chega assumindo liderança conforme região.
Baseando-se nos dados disponíveis, Chega tende a ganhar terreno nos distritos mais periféricos ou no interior, PSD/AD mantém vantagem em várias capitais de distrito e cidades médias, PS tentando recuperar terreno onde historicamente tinha mais força.
A diferença entre “intenção de voto” e “vontade de ganhar câmaras” ainda é significativa, especialmente porque candidaturas locais, alianças e dinâmicas regionais (personalidades locais) podem pesar muito no resultado final.
4. Análise da Semana
Chega continua a emergir como força em crescimento visível, especialmente em estimativas/distritos onde há concorrência multipartidária e desgaste do PS.
PSD/AD parecem sustentar-se bem em distritos urbanos ou capitais de distrito, embora em muitos casos com margens estreitas.
PS está em fase de reação, com apelo a consolidar bases locais e recuperar nas áreas onde foi ultrapassado ou onde a vantagem foi perdida, mas enfrenta o desafio de alianças locais e candidaturas fortes de adversários.

Miguel Coelho: O PS e a Freguesia de Santa Maria Maior

sábado, 13 de setembro de 2025

Charlie Kirk e o Combate pelas Ideias

Foi, acima de tudo, um combatente das ideias. Num tempo dominado pelo ruído, pela histeria mediática e pela criminalização do pensamento dissidente, destacou-se por cultivar o debate com civilidade, inteligência e serenidade — qualidades que hoje parecem revolucionárias. Não era um agitador, nem um mercador de ressentimento; era alguém que acreditava que a política só faz sentido quando assenta em princípios, e que os princípios só valem quando defendidos com coragem.
Representava uma geração de conservadores que não se resigna a ver o Ocidente dissolver-se num caldo de relativismo moral e cultural. Acreditava na liberdade individual, na responsabilidade pessoal, na primazia da comunidade e da família, e numa ordem social assente na herança civilizacional do Ocidente. Combateu o conformismo, a censura e a decadência moral que tantos já tomam como inevitáveis — e fê-lo com a firmeza tranquila de quem sabe que a civilização não se defende de joelhos.
Charlie Kirk era um combatente das ideias, era civilizado, inteligente, tranquilo. Morreu ‘a combater o bom combate’ ao serviço da sua fé, do seu país, das suas convicções – e da sua e nossa liberdade”[1]. E é precisamente por isso que a sua morte é mais do que uma tragédia pessoal: é um sinal de alarme.
Um Combatente das Ideias
Era frequentemente descrito como um "combatente das ideias", alguém que se dedicava a promover e defender as suas convicções com inteligência e civilidade. Acreditava que a luta pela liberdade e pelos valores conservadores era essencial para a preservação da civilização ocidental. A sua abordagem tranquila e racional, mesmo em debates acalorados, destacava-se num ambiente político muitas vezes polarizado.
Kirk via nos seus opositores da extrema-esquerda não apenas adversários políticos, mas como inimigos da civilização que muitos consideramos como nossa. Argumentava que esses inimigos não hesitavam em exigir, de forma metafórica, o "sangue" dos que defendem a liberdade e a razão. Esta retórica sublinha a gravidade que ele atribuía à luta ideológica, considerando-a uma batalha pela sobrevivência dos valores que sustentam a sociedade. Lembro, em Portugal, o racista Mamadu Baa do SOS e o comentador-activista Daniel Oliveira da SIC.
Um dos pilares da filosofia kirkiana era a crença de que a liberdade de expressão deve ser absoluta. Para ele, qualquer limitação a essa liberdade era inaceitável e representava um ataque à própria essência da democracia. A sua morte foi interpretada como um "acto de guerra" contra a civilização ocidental judaico-cristã, um ataque que não apenas silenciou uma voz proeminente, mas que também lançou uma sombra sobre a possibilidade de #discordância pacífica na sociedade.
O assassinato de Charlie Kirk não é apenas um crime isolado; é um reflexo de uma crise mais ampla que afecta a sociedade e simboliza a crescente intolerância e a violência que pode surgir em resposta a ideias divergentes. A sua luta pela liberdade de expressão e pela defesa dos valores conservadores agora ressoa como um chamado à acção para aqueles que acreditam na importância do debate civil e na protecção das liberdades individuais.
Porque os seus inimigos não são meros opositores políticos — são os inimigos da própria civilização a que pertencemos. “Os inimigos de Charlie Kirk são os inimigos da civilização a que costumávamos chamar nossa, são os nossos inimigos e, sem vestígio de pudor, exigem pouco metaforicamente o nosso sangue” [2].
O assassínio de Charlie Kirk é, por isso, mais do que um crime: é uma declaração de guerra. Uma guerra contra a liberdade de pensamento, contra a possibilidade de discordar sem temer pela própria vida. E aqui não pode haver equívocos, nem relativismos morais, nem a confortável indecisão dos que tremem perante o mal. 
A liberdade de expressão é absoluta ou não é nada. O assassínio de Charlie Kirk não é só um crime: é uma declaração de guerra contra a nossa civilização, contra o Ocidente, contra a razão, contra a possibilidade de discordar sem temer pela própria vida. Não há ‘mas’, não há adversativas para a monstruosidade de um acto tão hediondo; quem se refugia nestas fórmulas cruzou a fronteira da complacência com o assassino, abandonando a decência e a coragem que distingue o cidadão do submisso[3].
Esta verdade foi compreendida há mais de um século por Bertrand Russell, ao escrever que “a liberdade de opinião só pode existir quando o governo considera vantajoso que as pessoas pensem por si próprias; quando a teme, reprime-a. E uma comunidade onde ela é reprimida não pode permanecer progressiva por muito tempo[4]. A lição permanece actual: uma sociedade que não protege as vozes dissidentes condena-se à estagnação e, por fim, à tirania. John Milton advertira em 1644, no seu célebre Areopagitica A Speech for the Liberty of Unlicensed Printing to the Parliament of England", que “aquilo a que chamamos liberdade de expressão… não pode ser confiado com segurança ao julgamento de nenhum poder terreno, sem risco de se transformar em servidão[5]. E Salman Rushdie, que viveu sob ameaça de morte por exercer essa mesma liberdade, lembrou que “free speech is the whole thing, the whole ball game. Free speech is life itself” — “a liberdade de expressão é tudo, é o jogo inteiro. A liberdade de expressão é a própria vida” [6].
A morte de Charlie Kirk impõe-nos uma escolha: ou aceitamos que a violência silencie as ideias, ou decidimos, como ele, combater o bom combate: 
Pela liberdade, pela verdade, pela civilização.

Referências
(José Costa-Deitado, in ReVisões)
[4] Bertrand Russell — Free Thought and Official Propaganda (1922)
[5] John Milton — Areopagitica (1644)
[6] Salman Rushdie — entrevista citada em Freedom Forum

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

a bolha estala e o CHEGA lidera uma sondagem nacional

a ira do povo, quando eclode, é terrível
51 anos depois, a ordem política estremece
Pela primeira vez em 51 anos de democracia, um partido que não é nem o Partido Socialista nem o Partido Social Democrata surge na liderança de uma sondagem nacional. O barómetro da Aximage, que o Diário de Notícias publicará esta sexta-feira, dia 12, coloca o Chega em primeiro lugar nas intenções de voto para legislativas — um dado de enorme relevância política e simbólica.
O partido de André Ventura recolhe a preferência da maioria dos inquiridos quando questionados sobre em que partido ou coligação votariam se as eleições legislativas fossem no próximo domingo. E fá-lo assumindo, de facto, o papel de principal força da oposição — papel que, notoriamente, José Luís Carneiro nunca conseguiu encarnar de forma convincente.
Uma nova geração está a levantar voo
“O mundo mudou, no meu caso esta será pela segunda vez, há os que não o perceberam e os que estrebucham! Mas lutar contra o que é novo é pouco assisado. Com o que for bom ou com o que for mau, o Mundo, já é dos nossos mais novos, demos-lhes asas e eles já voam.”
É isso mesmo: o mundo mudou. A nova geração já não aceita as velhas barreiras mentais e partidárias, e o país começa finalmente a espelhar essa mudança.
O fim anunciado do velho duopólio
Durante os últimos seis anos, o sistema político e mediático não falou de outra coisa: André Ventura e o Chega, o Chega e André Ventura. E, claro, as famosas “linhas vermelhas”, essas barreiras imaginárias que os partidos do regime inventaram para manter o seu oligopólio de poder.
Como todos os sistemas que duram demasiado tempo sem se adaptarem, o regime cristalizou: protegido por uma teia de cumplicidades entre partidos, comentadores e aparelhos de Estado, tornou-se incapaz de verdadeiras reformas. Enquanto isso, os problemas reais de largas franjas da população eram tratados como “invenções” ou “exageros” — um paternalismo arrogante que alienou milhões de cidadãos.
O povo foi-se afastando, mas os “representantes” continuaram a fingir que nada se passava.
O tribuno da plebe
Quando, como na velha Roma, surgiu um “tribuno da plebe” disposto a dizer o que muitos sentiam, os patrícios do regime escolheram atacar o mensageiro em vez de escutarem a mensagem. Não tentaram resolver os problemas; preferiram encenar indignação moral, agitar fantasmas e multiplicar campanhas de demonização.
De certa forma, deram a Ventura e ao Chega um palco constante — mas recusaram-se a atribuir-lhes responsabilidades, preferindo tratá-los como um fenómeno exótico e passageiro. A “bolha” acreditou que bastaria gritar “populismo” para tudo voltar ao normal.
A ira do povo
Mas, como advertiu Marat no auge da Revolução Francesa, “a ira do povo, quando eclode, é terrível”.
Ignorada durante demasiado tempo, essa ira começou agora a traduzir-se em votos — e em sondagens que mostram o esboroar do velho regime de alternância controlada.
Mesmo agora, muitos insistem em negar a realidade. Mas, como escreve o professor Rui Albuquerque, “de vitória em vitória — ou melhor, continuando a desvalorizar a realidade — o estoiro era previsível e será inevitável”.
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O barómetro da Aximage entrevistou cerca de 570 pessoas entre 2 e 5 de Setembro, com uma margem de erro de 4,1%. E poderá ficar para a História como o primeiro a registar o início do fim da ordem estabelecida.
Fontes:
Rui Albuquerque – no Facebook

 

 

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Responsabilidade política… e responsabilidade jornalística

Nas últimas décadas, os jornalistas e comentadores têm recorrido obsessivamente à ideia de “responsabilidade política”. Invocam-na como mecanismo de pressão: um ministro deve sair por uma decisão mal explicada, um autarca deve demitir-se por uma falha de gestão, um deputado deve prestar contas por uma frase menos feliz. Muitas vezes, nem é necessária culpa criminal ou administrativa — basta a perceção pública, amplificada pelos próprios média.
Ora, se aceitamos que um político deve responder por erros, falhas ou até lapsos simbólicos, porque não aplicar o mesmo princípio ao jornalismo?
O jornalista não é um mero espectador. Pelo contrário: é mediador entre factos e cidadãos. Através das suas escolhas — o que noticia, o que omite, o que repete, o que dramatiza — influencia o espaço público e, muitas vezes, as próprias decisões políticas. Um artigo enviesado, uma manchete manipuladora ou um comentário que se limita a ecoar a máquina de propaganda de um partido podem ter consequências tão sérias quanto uma má decisão de governo.

Se há responsabilidade política, deve existir também responsabilidade jornalística. E não basta a desculpa fácil de “opinião” ou “linha editorial”: a responsabilidade nasce do impacto social. Quem exige escrutínio deve aceitar ser escrutinado.
Infelizmente, vivemos numa assimetria:
· Aos políticos cobra-se responsabilidade.
· Aos jornalistas concede-se imunidade, mesmo quando abusam do seu papel.
No mínimo, esta “responsabilidade jornalística” deveria traduzir-se em três pontos:
1. Transparência nas ligações políticas, económicas ou ideológicas.
2. Prestação de contas quando se comete erro ou manipulação — com igual destaque ao da notícia original.
3. Consequências reais no plano profissional ou reputacional para quem usa o jornalismo como arma de propaganda.
Sem isso, o discurso sobre “responsabilidade política” não passa de hipocrisia: os que mais exigem são os que menos aceitam ser responsabilizados.

domingo, 7 de setembro de 2025

A Reprodução de Narrativas e a Diluição do Espírito Crítico

Quando uma figura pública de influência, como Alexandra Leitão, emite uma declaração específica – "não vai pedir a demissão de Carlos Moedas" e que o "grande erro de Moedas é uma conferência de imprensa sem direito a perguntas" – e essa declaração é subsequentemente adotada e replicada de forma quase literal por órgãos de comunicação social ou comentadores, estamos perante um exemplo de seguidismo.

Esta replicação pode ocorrer por diversas razões:
* **Validação da Fonte:** A credibilidade da fonte original (neste caso, uma figura política proeminente) pode levar à aceitação e disseminação das suas ideias sem uma análise aprofundada.
* **Alinhamento Editorial:** Certos meios de comunicação podem ter um alinhamento editorial que favorece a amplificação de determinadas narrativas políticas, negligenciando perspectivas alternativas ou críticas.
* **Pressão do Ciclo de Notícias:** No ritmo acelerado das notícias, há uma tendência para os meios de comunicação e comentadores replicarem rapidamente as declarações de figuras influentes, por vezes sem o tempo ou os recursos para um exame mais aprofundado.
* **Evitar a Controvérsia:** Seguir a linha de pensamento estabelecida pode ser uma forma de evitar a controvérsia ou o confronto, especialmente em tópicos sensíveis.
O perigo inerente a este seguidismo reside na erosão do espírito crítico. Quando a imitação prevalece sobre a análise independente, a pluralidade de opiniões é comprometida, e o público é exposto a uma visão unilateral ou enviesada dos acontecimentos. A função primordial da imprensa e dos comentadores, que é a de questionar, analisar e contextualizar, é diminuída, transformando-os em meros repetidores de discursos pré-fabricados.

Milhares de pessoas terão sido assassinadas a tiro, catana, queimadas vivas…

O 7 de Setembro de 1974 em Moçambique tem muito de perturbante. Mas o facto de sabermos tão pouco sobre o que ali aconteceu nessa data também.                                                                                               


Milhares de pessoas terão sido assassinadas a tiro, catana, queimadas vivas… Talvez tenham sido três mil. Talvez mais. Talvez menos. Dificilmente sairemos do domínio das estimativas porque nunca houve a preocupação de saber o seu número ou as circunstâncias da sua morte. Eram brancas, negras, asiáticas, mestiças. 
Em Portugal, nos jornais, nas rádios e na televisão nunca houve dúvidas: tratou-se de uma “aventura colonial da última hora” por parte da “miuçalha branca” que ensombrou o “momento de júbilo”.

Comecemos pelo “momento de júbilo”? Estamos em Setembro de 1974. 

Ou seja, o que em Moçambique temiam, quer as minorias branca e oriental, quer os simpatizantes e dirigentes negros de vários partidos e movimentos nacionalistas, estava consumado: os moçambicanos, a quem menos de três meses antes Almeida Santos, ministro da Coordenação Interterritorial garantira um referendo para decidirem o futuro daquele território, iriam passar a viver numa república popular dirigida pela Frelimo. Como o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, declarara a 6 de Setembro ao chegar a Lusaka para firmar os acordos com a Frelimo: “a delegação portuguesa estava na Zâmbia para entregar o poder à Frelimo.” De facto era isso que estava a acontecer. É portanto este “o momento de júbilo”. E é aqui que começa a “última aventura colonial” protagonizada pela “miuçalha branca”.

A 7 de Setembro, o Rádio Club de Lourenço Marques é ocupado e passa a designar-se Rádio Moçambique Livre. Os ocupantes declaram-se contra o que definem como entrega de Moçambique à Frelimo. Entre os ocupantes do Rádio Club estão também líderes nacionalistas negros como Joana Simeão, Paulo Gumane e Uria Simango. Apelam à intervenção de Spínola, com quem alguns, na qualidade de membros da FICO (Frente Integracionista de Continuidade Ocidental), se tinham encontrado tempos antes no Buçaco. Aí, garantem, o Presidente da República ter-lhes-ia dito “Façam vocês qualquer coisa que mostre a vontade da Província, para eu vos apoiar.” Eles fizeram “qualquer coisa”. Mas em Setembro de 1974, com o Acordo de Lusaka já firmado, com Spínola cada vez mais fragilizado e obcecado com o futuro de Angola, era tarde demais para que o apoio do ainda presidente da República se pudesse fazer sentir. Os revoltos resistem até 10 de Setembro. Entretanto a violência explodira: violações, gente decepada, queimados vivos, linchados e vários desaparecidos.

Os acontecimentos do 7 de Setembro de 1974, a violência que os acompanhou e a vaga de repressão que lhe sucedeu marcam um antes e um depois: até ao final de Agosto de 1974, tinham deixado Moçambique 5 mil portugueses. Mas só nas últimas semanas de Setembro e primeiros dias de Outubro saem de Moçambique oito mil portugueses para a África do Sul. Em Lisboa começam a cair pedidos de transferência para a “metrópole” de professores, carteiros, funcionários dos caminhos-de-ferro, da aeronáutica, dos bancos. Em Dezembro, segundo revela Vítor Crespo, Alto-Comissário de Moçambique, em Lourenço Marques sobrava apenas um ginecologista e já nenhum ortopedista.

Simultaneamente a repressão cresce no território administrado por Portugal. O Alto-Comissário Vítor Crespo institui que questionar a representatividade da Frelimo é um crime contra a descolonização e um sinal de racismo. Militares e agentes de segurança portugueses desempenham um papel activo na detenção, interrogatório e entrega à Frelimo daqueles que se lhe opõem, nomeadamente de dissidentes da Frelimo e nacionalistas negros que participaram na revolta do 7 de Setembro. Por grotesca ironia a revolta em que os jornais só viam brancos não só teve a participação de dirigentes negros como estes pagaram com a vida o seu protagonismo nestes acontecimentos: Joana Simeão, Paulo Gumane e Uria Simango, além doutros dissidentes da Frelimo, seriam internados em campos de reeducação daquele movimento e queimados vivos mais tarde.. (No caso de Uria Simango a sua própria mulher, Celina, foi também morta.)

Mas a imprensa portuguesa em 1974 não tem dúvidas: no 7 de Setembro está-se perante uma “revolta dos colonos brancos”, uma “aventura colonial da última hora” protagonizada por “rebeldes brancos”, “miuçalha branca”, “grupúsculos”, “reaccionários”, “ultra reaccionários”, “racistas”, “colonialistas” … que ensombraram o “momento de júbilo” representado pela assinatura do Acordo de Lusaka.

Meio século depois o que surpreende não é que o 7 de Setembro de 74 em Moçambique tenha sido relatado assim mas sim a certeza de que hoje voltaria ser relatado assim. Porque, tal como aconteceu a propósito do 7 de Setembro de 74, não se trata tanto da imposição duma visão dos factos e do seu silenciamento mas sobretudo do poder de instituir o medo de perguntar. Do medo de ser rotulado. Do medo de passar para o lado dos controversos, que é meio caminho andado para passar a conservador e de conservador a reaccionário e de reaccionário a outra coisa qualquer já sem retorno social possível.

Por quanto tempo mais vamos ter de esperar para que se perca o medo de desmontar as efabulações sobre a escravatura como pecado do homem ocidental e branco que se tornaram uma espécie de mantra obrigatório?…

até quando o activismo vai impor o medo de perguntar?
Meio século depois quantos crimes foram necessários para chamar ditador a Maduro?
Ou o que vai ser necessário para que deixe de ser visto como um risco denunciar a ideologia de género nas escolas?
E por quanto tempo mais vamos ter de esperar para que se perca o medo de desmontar as efabulações sobre a escravatura como pecado do homem ocidental e branco que se tornaram uma espécie de mantra obrigatório?…